sábado, 17 de junho de 2023


17 DE JUNHO DE 2023
FRANCISCO MARSHALL

O PIANO

As três invenções que mudaram a humanidade foram o fogo, a roda e o piano. Este, todavia, tem certidão de nascimento. No inventário dos instrumentos musicais de Ferdinando III de Medici (1663-1713), príncipe da Toscana, consta: "Um arpicembalo de Bartolomeo Cristofori, de invenção recente, que toca leve e forte (piano e forte), com dois registros principais em uníssono, com fundo de cipreste, sem rosa" (1700). Arpicembalo se traduz harpa-cravo, um cravo transformado; dois registros são as cordas duplas, mas, antes de tudo, eis a indicação de que ele toca leve ou pesado, devido ao uso de marteletes para percutir as cordas, com controle da intensidade sonora. Cristofori (1655-1731) era um gênio inventor, pai do pianoforte, como passou a ser conhecido seu instrumento. Que seria de nós sem esta invenção maravilhosa?

O invento de Cristofori foi difundido em um artigo do literato veneziano Scipione Maffai, em 1711, traduzido para o alemão e publicado em Dresden em 1725. Em 1732, Gottfried Silbermann (1683-1753) construiu seu primeiro pianoforte, e Johann Sebastian Bach (1685-1750) o avaliou, aconselhou e posteriormente adquiriu dois para seu uso. A primeira obra escrita para o novo instrumento foi publicada em 1732 por Lodovico Giustini (1685-1743), em Firenze, as 12 Sonate da cimbalo di piano e forte detto volgarmente di martelletti. 

Os filhos de Bach levaram adiante o instrumento que foi consagrado por Haydn (1732-1809) e Mozart (1756-1781), em que Beethoven (1770-1827) compôs maravilhas que elevaram a humanidade e onde poetas têm vertido, desde o século XIX, imagens sonoras que raptam e transformam a mente, com formas de alto engenho e coloridos de sabores inebriantes. Joia do iluminismo, inteligível e acessível, o piano está sempre pronto para ser uma orquestra com 88 teclas ou o amigo que com facili­dade acolhe crianças e as conduz ao seu destino musical.

Recentemente, em um ambulatório do Centro de Saúde Modelo, um pianista ouviu da enfermeira que fazia curativo em sua mão que ela nunca havia visto um piano. Para quem passa a vida de mãos dadas com o teclado, essa notícia causa assombro e revela o quanto ainda precisamos fazer para democratizar o conhecimento e o acesso à cultura. Em 2014, por iniciativa do StudioClio, da produtora Lílian Ferrari e do afinador Person Fontes, Porto Alegre conheceu o projeto Piano Livre, em que 10 pianos pintados por artistas foram abertos ao público em locais como o HPS, o Mercado Público e a Rodoviária. 

Os relatos da experiência são tocantes. Moradores de rua descobriram seus talentos e evoluíram, visitantes e peregrinos da cidade a brindaram com sua música, a experiência dos sons fascinou milhares de pessoas, sem ônus. Precisamos de mais pianos nas ruas e de cultura em que as pessoas sejam autoras criativas.

Na semana que passou, o piano que desde 2005 encantou almas no palco do StudioClio foi levado para a Livraria Bamboletras, onde cumprirá nova etapa de seu destino: polinizar leveza, inteligência e a expressão das imagens e humores que nos constituem, entre livros e ideias, com liberdade. E viva a arte, sempre!

FRANCISCO MARSHALL

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