27 DE JUNHO DE 2023
NÍLSON SOUZA
Piscou, perdeu!
Que não se negue um toque de humor aos quadrilheiros que roubavam carros na zona norte de Porto Alegre e usavam bonés com o grito de guerra característico dos integrantes do grupo na hora de render suas vítimas: - Piscou, perdeu!
A própria polícia, que fez um trabalho elogiável ao prender os bandidos, reconheceu a força do apelo e adotou a expressão como título da operação investigativa. Como um dia é da caça e o outro costuma ser do caçador, os delinquentes também piscaram e foram em cana.
O slogan é engraçado e menos preconceituoso do que o tradicional "perdeu, mané", adotado inclusive e desastradamente por um ministro do Supremo em hora imprópria. Mané é sinônimo de trouxa, otário, imbecil, condição imposta às vítimas pelos espertalhões, até para justificar seus atos autoritários ou criminosos. Mas é também o diminutivo do nome próprio Manoel (ou Manuel), muito comum entre os lusitanos que colonizaram nosso país. Também por isso, talvez, tenha virado pejorativo. Mané é mané em toda parte do Brasil, como cantou Moreira da Silva, menos em Santa Catarina, que se orgulha dos seus manezinhos da Ilha.
Mas o bordão da piscada também não chega a ser original. Algumas empresas já o utilizaram como apelo publicitário para anunciar ofertas - e, subliminarmente, pressionar os clientes a comprar. De perfumes a automóveis, o "piscou, perdeu!" funciona como chamada irresistível, pois no mundo do consumismo ninguém quer perder uma oportunidade de levar vantagem. Mais: nesta era do tudo aqui e agora, a gente vive constantemente com a sensação de que está perdendo alguma coisa.
Embora incoerente com o ato imprescindível para a saúde dos olhos, o primeiro verbo da expressão também virou sinônimo de descuido em nosso inseguro país. Nas 15 ou 20 vezes em que piscamos a cada minuto, por força de nossa natureza humana, sempre podemos deixar de ver alguma coisa importante (como, por exemplo, o ladrão se aproximando com a arma na mão). Infelizmente, essa é a nossa realidade - também porque muitas vezes piscamos demais na hora de escolher nossos governantes e representantes políticos.
Pode ser raro, mas, às vezes, também ganhamos. Bato ponto semanalmente na Zona Norte e talvez agora possa piscar com mais tranquilidade sabendo que pelo menos uma quadrilha de assaltantes, com seus bonés debochados, foi tirada de circulação. Como escreveu Manuel de Barros, há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Sábio poeta. Outra prova de que nem todo Mané é otário.
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