segunda-feira, 22 de abril de 2019


22 DE ABRIL DE 2019
CLAUDIA LAITANO

Conspiração da indiferença

Na década de 1860, já perto do final da carreira, José de Alencar era um escritor frustrado. Tinha dedicado boa parte da vida a escrever livros em que o Brasil deveria se reconhecer como nação, mas os resultados haviam sido decepcionantes. (Considerado um best-seller para a época, o romance O Guarani não vendeu mais do que 6 mil livros ao longo de 16 anos.) Um colega mais novo, Machado de Assis, atribuía esse descaso com relação à literatura a uma espécie de "conspiração da indiferença".

O que os dois escritores não sabiam era que o público que poderia se interessar pelos seus romances era muito menor do que eles imaginavam. A ficha só começou a cair a partir de 1872, quando foi realizado o primeiro recenseamento no país. A informação de que 84% da população brasileira não sabia ler caiu como uma bomba entre os literatos da época, que se imaginavam preteridos por romancistas estrangeiros e não simplesmente inacessíveis para a grande maioria. Não havia conspiradores, havia analfabetos.

Em 2019, temos 7% de analfabetos e 30% de analfabetos funcionais no Brasil - e a "conspiração da indiferença" ainda é alarmante. Vivemos em um país que lê pouco, quase não vai ao teatro e raramente põe os pés em um cinema. A produção é mal distribuída geograficamente e as políticas culturais são erráticas: o que um governo coloca em pé, o outro desmonta - mesmo quando um partido permanece no poder por vários mandatos. Não há continuidade de políticas públicas, e a sociedade civil não parece se sentir responsável em manter seus teatros, seus museus, seu patrimônio histórico.

Isso já era assim no tempo de Peri e Ceci. Não apenas porque somos um país de analfabetos, mas porque aqueles que leem nunca assimilaram completamente a ideia de que a cultura constrói valor para uma sociedade e é responsabilidade de todos, não apenas dos governos. Isso talvez explique por que, passados sete meses do incêndio do Museu Nacional, pouco mais de R$ 1 milhão tenha sido arrecadado para a reconstrução do prédio - uma fração do valor doado para a Notre-Dame em apenas algumas horas.

O que parece novidade em 2019 é a sensação de que estamos vivendo algo ainda pior do que a indiferença. Levar a cabo a reforma da Previdência é complicado. Acalmar os caminhoneiros é um pepino. Manter a popularidade entre os próprios eleitores é um desafio diário, mas estrangular as fontes de financiamento da Cultura é barbada. Sem oferecer alternativas ou se preocupar com as consequências a curto prazo, o governo Bolsonaro tem sido surpreendentemente ágil e diligente em colocar em prática todas as promessas de campanha que miravam o desmonte da Cultura.

Chega a dar saudade da indiferença.

CLAUDIA LAITANO

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