terça-feira, 16 de abril de 2019



16 DE ABRIL DE 2019
CAPA

Longe das raízes

Além de Nós, filme que está em produção no Estado, narra jornada existencial de um jovem gaúcho encarando mundo globalizado.

Ao som do hit oitentista Total Eclipse of The Heart, de Bonnie Tyler, um ônibus preto de dois andares parte da Praça Silveira Martins, no centro de Bagé.O destino, a 13 quilômetros da região central da cidade, é a pousada Chácara das Roseiras. Esse trajeto se repetiu dos dias 6 a 12 de abril. Agora, o ônibus se encontra na região metropolitana de Porto Alegre. Depois, cruzará sete Estados até meados de maio, chegando à Bahia. Trata-se do veículo que leva a equipe de Além de Nós, um filme feito na estrada.

Produzida pela Atama Filmes e com direção de Rogério Rodrigues (Kalanga - Cidade das Bicicletas), a longa viagem a ser mostrada em Além de Nós começa por Bagé. Estrelado por Thiago Lacerda e Miguel Coelho, o longa começa sua história após Leo, personagem de Miguel, perder o emprego e presenciar a morte de seu pai, Leopoldino (Clemente Viscaíno). 

Ele vive na remoto e pampiano Dos Passos, lugarejo do qual nunca saiu. Após ler uma carta, decide levar uma foto de seu pai ao lado de seu avô e do ex-presidente Getúlio Vargas ao Palácio do Catete, no Rio, cumprindo um sonho de Leopoldino. Para a empreitada, ganha a companhia de seu tio Artur (Thiago Lacerda), de quem sempre foi distante. Nessa jornada, Leo percorre um universo contemporâneo e globalizado.

- É um filme sobre transformação e desenraizamento. A morte do pai leva o garoto a uma jornada de autoconhecimento, que também é um retrato sociológico dessa gente do Pampa, que vai perdendo espaço para o eucalipto e a soja e migrando para a cidade. E que gaúcho é esse que chega à cidade grande - define Lacerda.

O diretor Rogério Rodrigues corrobora:

- Leo é levado a essa jornada pela força da globalização. E, consequentemente, busca uma identidade. Não lembro de outro filme que tenha a figura do gaúcho fora de seu ambiente geográfico. Quem é o gaúcho hoje fora do Rio Grande?

CENÁRIO PAMPIANO REFLETE ISOLAMENTO

A reportagem de Zero Hora embarcou no ônibus da produção na terça-feira passada e acompanhou as filmagens na pousada Chácara das Roseiras. No trajeto, a trilha sonora projetada nas caixas de som do veículo ia da MPB de Clara Nunes a farofas pop como a já citada Bonnie Tyler e Seal (Kiss From a Rose) - cortesia do caracterizador Johnny Left. Após 20 minutos, a equipe chegou à locação.

Composta essencialmente por três casas amarelas com janelas verdes, a pousada é cercada pela bonita paisagem verde dos campos. Pelo pasto, cordeiros circulam livremente. O local e seus arredores integram a fictícia Dos Passos.

- É um povoado pequenininho, na fronteira do Brasil com o Uruguai. Um lugarejo onde a globalização não chegou. No começo do filme, não se sabe em que tempo nós estamos. Poderia dizer que é anos 1950, 60, 70 ou 90. Você só vai perceber que estamos nos dias atuais quando a história sai dali. Antes disso, não há celular ou tecnologia - explica Rogério.

Entre uma cena e outra, porém, a tecnologia vem à tona. Em meio ao clima tranquilo do set, Miguel Coelho saca o smartphone para mostrar o áudio de um fluminense indignado com seu chefe por ter que trabalhar em um dia de chuva (viral que, depois, soube-se ser uma brincadeira de youtubers). Thiago Lacerda exibe ao ator Néstor Monasterio um vídeo de Programa do Mal, esquete do antigo humorístico Hermes e Renato.

Quando uma cena é rodada, o silêncio sepulcral prevalece na pousada, escutando-se apenas os quero-queros durante o dia, e, à noite, o coaxar dos sapos e o canto dos grilos. Porém, em uma filmagem noturna, um diálogo entre Ida Celina e Thiago Lacerda sofre a interferência de uma moto barulhenta na estrada a um quilômetro dali. Tudo de novo.

- O destino tem controlado esse filme - reflete Miguel Coelho. Além de Nós tem estreia em festivais prevista para 2020.

WILLIAM MANSQUE

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