quarta-feira, 17 de abril de 2019



17 DE ABRIL DE 2019
DAVID COIMBRA

A dor de Whindersson

Será que as pessoas sofrem mais com as dores da alma hoje do que sofriam antes? De repente, os personagens mais improváveis aparecem com sinais de depressão. Nos últimos dias, foi o youtuber Whindersson Nunes que publicou, em uma rede social, um desabafo tão singelo quanto comovente.

Whindersson, talvez você não saiba, é um rapaz de origem modesta, do modesto interior do Piauí, que, há uns três anos, começou a postar vídeos despretensiosos na internet. Esses vídeos, por alguma razão, fizeram sucesso explosivo e Whindersson tornou-se celebridade nacional. Hoje ele tem mais de 25 milhões de seguidores no YouTube.

Nesse seu desabafo meio atrapalhado, permeado de erros de português, mas obviamente sincero, Whindersson, fica claro, pede ajuda. Apesar de ter conquistado fama e dinheiro, estar bem casado e contar com o apoio de muitos amigos, ele confessa: "Eu me sinto tão triste, tão triste?".

Nesses últimos dias, também vi uma entrevista do atacante Nilmar, que jogou no Inter e na Seleção, contando que havia perdido a vontade de viver.

- Eu buscava meus filhos na escola e não tinha forças para brincar com eles - disse Nilmar, e abaixou a cabeça diante das câmeras, e chorou.

Pessoas com perfis completamente diferentes enfrentam o mesmo mal.

Então, repito a pergunta: será que há algo, no mundo fremente do século 21, que espalhou a depressão como uma nova peste negra?

Suspeito que sim.

A Organização Mundial da Saúde informa que o número de casos de depressão aumentou 18% nos últimos 10 anos. Um índice assustador. Verdade que, tempos atrás, ninguém falava em depressão; falava-se em "melancolia", uma palavra meio doce. Você imagina uma pessoa melancólica com "o olhar espiando o vazio", como diria Paulinho da Viola. É até bonito. Depois de Freud é que se viu que a coisa é mais séria. E cevo a desconfiança de que é examinando alguns episódios de depressão de séculos passados que você pode entender por que isso está acontecendo agora.

Há uma história, em particular, que é cheia de significados. A de Nietzsche. Você pode pensar em Nietzsche como um tipo de Whindersson do avesso. Enquanto tudo em Whindersson é escancarado e banal, tudo em Nietzsche é obscuro e complexo. Whindersson ganhou fama exatamente por sua platitude cômica, e Nietzsche virou o filósofo da moda, nos últimos anos, exatamente por sua gravidade esdrúxula.

As meninas tatuam frases de Nietzsche nos ombros dourados, nas pernas torneadas, no macio vale do entresseios. A preferida é a clássica "torna-te quem tu és". O velho Niet, que tanto penou ao ser rejeitado por Lou Salomé, ficaria orgulhoso se visse em que recônditos cálidos se aninham hoje pedaços da sua filosofia.

Mas, em vida, ele conheceu quase que só a dor. Para usar palavras de nobres parlamentares brasileiros, digo que, escrevendo, Nietzsche era um tigrão; vivendo, era uma tchutchuca. Nietzsche criou o super-homem, mas era frágil como uma criança. Nietzsche desprezava a compaixão cristã, mas ansiava por ela.

Porém, o que de fato mostrou quem era Nietzsche por dentro e não quem ele queria parecer por fora foi o primeiro dia do seu fim. Ele estava em Turim, quando viu, da janela de casa, um homem que espancava o próprio cavalo, atrelado a uma carroça. Nietzsche saiu correndo, afastou o homem, enlaçou o pescoço do cavalo com os braços e pôs-se a chorar. Quando o apartaram do animal, desmaiou. Ao acordar, estava louco. Viveu ainda 11 anos, e nunca mais voltou ao normal.

Há quem suspeite de que Nietzsche padecia de sífilis ou mesmo de câncer no cérebro. Seja. O que interessa é o quanto esse incidente do cavalo de Turim é simbólico. Porque, quando Nietzsche se desespera ao testemunhar o sofrimento do cavalo, promovido por um homem, é como se ele gritasse de desesperança pelo que é a humanidade. Vou seguir no tema, tenho que encerrar agora, mas deixo aqui a dúvida: será que o sobrepeso de informação que o ser humano tem acerca de si próprio, nos novos tempos, não produz inevitável desilusão? Será que a máxima maior da filosofia, "conhece-te a ti mesmo", essa que Nietzsche adaptou para "torna-te quem tu és", será que essa máxima não produz dor quando é aplicada a toda a raça humana? Será que conhecer a raça humana, ou intuir o que ela na verdade é, não é também ver o lado escuro da vida? Pode ser. Às vezes, a ignorância é uma bênção.

DAVID COIMBRA

Nenhum comentário: