sexta-feira, 12 de outubro de 2018


10 DE OUTUBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O que nunca disse para minha mãe

Demos, eu e meus irmãos, um celular novo para a minha mãe. Achávamos que ela ia ficar toda feliz, mas, que nada, ela só reclama do bichinho. Não conseguiu se adaptar, tem funções demais, ela não sabe para que serve tanto ícone.

Uma coisa que minha mãe definitivamente não aprende é encerrar as ligações. Assim, depois de me despedir dela, muitas vezes fico ouvindo, só por diversão. Gosto quando ela fala com o gato - minha mãe tem um gato com apenas três pernas. Lembro-me sempre do Mujica, que também tem um cachorro com uma perna a menos. Queria juntar os dois e fazer um filme. O título seria Tom & Jerry nas Paraolimpíadas. Sei que o Jerry é um ratinho, mas tem um cachorro no desenho, não tem?

Minha mãe adora aquele gato perneta, conversa com ele e ele parece entender.

Mas, outro dia, continuei ouvindo e ela não falou com o gato. Falou com ela mesma. Pelo ruído que vinha do outro lado da linha, deduzi que minha mãe colocou o celular sobre a mesa. Em seguida, ela suspirou e disse:

- Que saudade do meu filho?

Depois se afastou, provavelmente indo para outra peça da casa.

A 8 mil quilômetros de distância, permaneci com o celular na mão, perplexo, imóvel. Senti vontade de correr para o Logan Airport e tomar o primeiro avião para ir abraçá-la. Mas é claro que não fiz isso, segui meu caminho, estava voltando para casa.

Enquanto caminhava, pensei que aquilo que havia acontecido era algo raro: ouvira de outra pessoa que ela sentia saudade de mim, mas a pessoa não me dissera isso diretamente. Era como se tivesse assistido à cena detrás de um vidro espelhado, como naquelas salas de depoimento das delegacias americanas.

Ouvir os outros falando de você sem que eles saibam que você está ouvindo, aí está algo que todos gostariam de fazer. E, ao ouvir uma manifestação de apreço, como a que fez a minha mãe, é óbvio que todos se sentiriam lisonjeados. Mas não foi o meu caso. Não fiquei encantado, pensando "ah, minha mãe sente saudade de mim". Não fiquei. Porque já sabia disso. Nunca tive dúvidas de que minha mãe sente minha falta, como sei que ela sabe que sinto a dela. Outra coisa que me ocorreu: nunca disse para a minha mãe: "Eu te amo". Nem ela disse para mim. E não precisa! É algo do que tenho certeza, e sei que ela também tem.

Curioso, porque meu filho vive fazendo essa declaração de amor. E eu, é evidente, retribuo. Mas foi uma iniciativa que partiu dele desde pequeninho, não fui eu quem começou. Será que as novas gerações são mais afetuosas? Não? Não creio? Mas por que será que? No momento em que refletia sobre essas coisas, entrei em casa. Passei pelo quarto do meu filho e o vi jogando no computador.

- Oi, papai!

- Oi, serelepe!

Fiquei parado no solar da porta, olhando para ele. Imaginei que, mais tarde, quando ele tomar seu rumo, independente, adulto, talvez diga para mim mesmo, depois de conversarmos ao telefone: "Que saudade do meu filho". Enquanto imaginava isso, ele tirou os fones de ouvido e perguntou, vendo-me ali parado:

- O que foi, papai?

- Nada, nada? Só estava pensando que amo muito a minha mãe... E que amo muito o meu filho.

- Eu também te amo, papai! - ele exclamou, sorrindo. E colocou os fones outra vez. E voltou a jogar no computador.

DAVID COIMBRA

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