sexta-feira, 12 de outubro de 2018



12 DE OUTUBRO DE 2018
CAPA

Templo de resistência

CINEMATECA CAPITÓLIO COMEMORA hoje 90 anos como joia cultural e patrimonial de Porto Alegre

Após uma década de morosas obras de reforma e restauro, o antigo Cine Theatro Capitólio ressurgiu do abandono em março de 2015 como uma das joias culturais e patrimoniais de Porto Alegre. Sob a denominação Cinemateca Capitólio Petrobras, referente à formatação de guarda e preservação de filmes que incorporou e à empresa que bancou seu ressurgimento, o cinema localizado na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro completa hoje 90 anos de luzes na vida da Capital.

Para celebrar, a sala, uma das raras "de calçada" que sobrevive no Brasil, apresenta a partir de hoje sexta uma programação especial, que sublinha o talento e o jogo de cintura da curadoria que colocou a sala gaúcha em posição de destaque na cinefilia nacional - lidando no dia a dia com recursos que mal cobrem seus custos de operação, quando cobrem. Começa com a sessão, às 21h, do mesmo filme que iluminou o Capitólio em 12 de outubro de 1928: Casanova (1927), produção francesa dirigida pelo russo Alexandre Volkoff. Marco do cinema silencioso, foi a primeira grande adaptação cinematográfica das aventuras do sedutor italiano Giacomo Casanova.

A partir de amanhã, com ingresso a R$ 10 (R$ 5 para estudantes e maiores de 60 anos), a programação traz 10 clássicos que também comemoram 90 anos em 2018: entre eles, A Turba, de King Vidor, A Paixão de Joana d?Arc, de Carl Theodor Dreyer, O Homem das Novidades, de Buster Keaton e Edward Sedgwick, O Circo, de Charles Chaplin, e Vento e Areia, de Victor Sjöström.

Olhar atento no passado e no presente é a linha curatorial de Leonardo Bomfim, responsável pela programação. Segunda-feira, às 19h30min, será realizada uma sessão de Djon África (2018), coprodução entre Portugal, Brasil e Cabo Verde, seguida de debate com o diretor Miller Guerra e o ator Miguel Moreira. Na terça, estreia na sala o drama húngaro Um Dia, de Zsófia Szilágyi, premiado na Semana da Crítica do Festival de Cannes de 2018.

Quando foi reaberto, em 2015, o Capitólio se viu em meio ao processo de transição da tecnologia analógica para a digital, que tirou de circulação a centenária película 35mm.

- Foram dois anos funcionando de forma quase desesperada - diz Bomfim. - Ainda assim, foi possível oferecer sessões memoráveis, como na reabertura, com o primeiro longa gaúcho, Vento Norte (1951), de Salomão Scliar, e uma mostra do iraniano Abbas Kiarostami.

Em 2017, com a instalação do projetor DCP, novo padrão da indústria cinematográfica, o Capitólio engrenou a programação que mescla lançamentos de filmes brasileiros e estrangeiros com mostras e festivais temáticos.

- Filmes brasileiros que antes não chegavam a Porto Alegre porque não interessavam às salas comerciais agora têm espaço no Capitólio - destaca Bomfim.

A cinemateca é gerenciada pela Coordenação de Cinema Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura, que cobre despesas com manutenção e salário dos funcionários. A exibição de filmes só é possível graças à negociação com distribuidoras, cujo pagamento compromete 50% da bilheteria. Com três sessões diárias, de terça a domingo, a sala atrai mensalmente mais três mil espectadores.

Luciano Alabarse, secretário municipal da Cultura, ressalta que a equipe qualificada levou o Capitólio a ser uma referência nacional. Sobre eventuais atrasos nos pagamentos de funcionários terceirizados e fornecedores, Alabarse comenta:

- Dificuldades financeiras fazem parte de toda a área cultural nesse momento. Se atrasa algum pagamento, vamos na (secretaria da) Fazenda e explicamos a importância da sala. A cultura é estratégica para a formação dos cidadãos, mas sempre esteve sob mau tempo. É sempre uma batalha, um movimento de resistência.

Ao sediar importantes festivais da América Latina, como o É Tudo Verdade (documentários) e o Fantaspoa (cinema fantástico), o Capitólio reúne diretores, roteiristas e atores de diferentes países. Em um desses encontros, Marcus Mello, ex-coordenador de Cinema Vídeo e Fotografia da SMC e atual assessor técnico do Capitólio, testemunhou a surpresa da multiartista americana Meredith Monk diante do prédio histórico. Amiga de Martin Scorsese, ela disse que o célebre diretor, reconhecido por seu interesse na preservação da memória do cinema, precisava conhecer a sala.

- Porto Alegre precisa se orgulhar. Poucas cidades no mundo têm um cinema dos anos 1920 funcionando. A maioria já virou shopping ou estacionamento - diz Mello.

* Colaborou Karine Dalla Valle - MARCELO PERRONE *

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