07 DE DEZEMBRO DE 2022
MÁRIO CORSO
O valor da sesta
Na longa lista das minhas invejas, os sesteadores despontam. Eu não consigo fazer aquela benéfica parada que corta o dia em dois. O hábito não poderia ser mais benigno, apontam inúmeros estudos. A melhor defesa da sesta escutei dias atrás, mas preciso contar o contexto.
Recentemente li Erótica do Sono: Ensaios Psicanalíticos sobre a Insônia e o Gozo de Dormir, do xará e amigo Mario Eduardo Costa Pereira. Um livro extraordinário sobre a epidemia da dificuldade de dormir.
Tive a sorte de cruzar com ele, ainda que virtualmente, para discutir as ideias do livro. Suas teses apontam para a desvalorização do sono na atualidade. Dormir deixou de ser um momento de relaxar, de entregar-se a esse prazer, para ser uma perda de tempo antes de voltar à atividade diurna. Hoje opera uma espécie de resignação pragmática: sabendo que o corpo e o cérebro precisam de repouso para o bom funcionamento, aceitamos dormir.
Agimos como se o sono não fizesse parte da vida real, mas fosse um pedágio chato para resgatar as forças necessárias para viver. Perdemos a noção do sono como um momento de recolhimento prazeroso. A lógica da produtividade invade todas as esferas da vida. Para conseguir parar inventamos desculpas, o dito ócio criativo é o melhor exemplo. Paramos para produzir mais, sendo criativos, e não pelo prazer de parar e termos um tempo nosso, que gastaremos como der na veneta.
A dificuldade de dormir, segundo um pediatra presente naquele debate da SBPCamp - aliás, mais um xará, Mário Becker - já afeta os bebês. Pais exaustos chegam aos consultórios perguntando por que seu filho não dorme. Ora, não dormem também porque o sono não é valorizado, o espírito da nossa época o considera tempo perdido.
Quanto à questão da sesta, que não está no livro e talvez seja seu próximo ensaio, o autor considera este hábito uma marca cultural suprema. Disse que deveríamos medir o progresso civilizatório de um povo pela adesão à sesta. Sestear, especialmente quando é um ritual, marca uma posição diferente, uma resistência à loucura pela produtividade que vivemos. Sestear é recolocar as coisas em seu devido lugar, é resgatar o prazer de descansar, é abrir um espaço durante o dia para mergulhar na dimensão onírica, é marcar que que valemos em si e não pelo que produzimos.
Como diria outro Mario, o Quintana: "Sonhar é acordar-se para dentro". Não perca esta parte da sua vida.
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