02 DE JUNHO DE 2020
DAVID COIMBRA
O nariz de Cleópatra
Pascal escreveu que, se o nariz de Cleópatra fosse menor, a história do mundo seria diferente. O que essa frase fez, em primeiro lugar, foi tornar famoso o nariz de Cleópatra. Curioso, porque essa era uma parte do corpo da rainha sobre a qual não havia menção alguma em depoimento algum da História. Quer dizer: quem viu aquele nariz sorvendo oxigênio não se manifestou a respeito.
O pedaço do corpo de Cleópatra de que se falou foram os lábios. Ela era chamada de Cheilon, "a que tem lábios grossos", e dizem que possuía perturbadora habilidade com eles. Mas não se pode dar crédito a tudo o que escreviam os antigos historiadores, havia muita fake news naquela época.
O interessante dessa frase de Pascal não é sua consideração nasal. É o seu sentido. Significa que o destino de milhões de seres humanos poderia ter sido outro, não fosse esse ou aquele detalhe aparentemente insignificante. Cleópatra, por ter um nariz tão belo, seduziu dois generais romanos, dois donos do mundo, Júlio César e Marco Antônio.
Se seu nariz fosse feio, Júlio César não teria se detido no Egito por tanto tempo para se repoltrear com ela às margens do Nilo, o Senado não se levantaria contra ele e a história do império e, por conseguinte, do Ocidente, tomaria rumo diverso do que tomou. Marco Antônio também teria outra sorte se não se apaixonasse por aquela beldade egípcia. Ele provavelmente se concentraria na guerra, venceria Augusto e se tornaria o primeiro imperador. Assim, o mês de agosto talvez se chamasse Antônio.
Enfim. Conjecturas. Poderia fazer inúmeras.
Se Hitler tivesse sido aprovado pela escola de arquitetura de Viena, a Segunda Guerra não teria ocorrido e milhões de pessoas não teriam perdido suas vidas, o império britânico levaria muito mais tempo para se esfacelar, a Europa ainda seria o centro econômico do mundo e nós nos vestiríamos com gabardine inglesa, não com jeans americanos.
Se Tancredo tivesse procurado um médico quando sentiu pela primeira vez uma indisposição estomacal, em 1985, sua situação de saúde não se complicaria, ele assumiria a Presidência e talvez o Brasil não buscasse soluções populistas nas eleições posteriores. Hoje, o presidente seria alguém moderado, como, sei lá, o Bonner.
Deus mora nos detalhes, disse Einstein. Uma pequena decisão causa uma grande mudança de rumo. Num império, num país, numa empresa, na sua vida.
E se você tivesse aceitado a proposta de emprego?
E se não tivesse dito aquela frase?
E se Galato não tivesse levantado o pé na cobrança do pênalti?
E se Ronaldinho tivesse acertado aquela falta no fim do jogo no Japão?
E se aquele chinês não tivesse comido morcego em novembro do ano passado?
Parece tão pouco, mas mudaria tanto. Preste atenção nos detalhes. Cuide das pequenas coisas. Tenha medo da minoria.
DAVID COIMBRA
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