quinta-feira, 2 de janeiro de 2020



02 DE JANEIRO DE 2020
ZONA DE CONFRONTO

Fora de Brasília, general volta ao front

Após passagem pelo governo Bolsonaro, gaúcho Santos Cruz retoma peregrinação por locais de risco e atuação em congressos

Quase meio ano após ser demitido do governo Jair Bolsonaro, o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz, 67 anos, está como gosta, de volta à zona de conflito. Não de forma metafórica, como a maioria das pessoas, mas em performance real. Acaba de retornar do front que abala a República Democrática do Congo há pelo menos 21 anos.

Um lugar que conhece como nenhum outro militar brasileiro: entre 2013 e 2015, o oficial comandou em território congolês a Força Militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização (Monusco).

Trata-se da maior missão dos capacetes azuis na história das Nações Unidas (ONU): envolve 23 mil pessoas, incluindo, além de militares, 1,4 mil policiais e 4,5 mil civis. Santos Cruz retornou ao continente africano para avaliar a situação no local, um pedido da própria ONU.

O general já tinha comandado a Missão de Paz no Haiti, mas foi no Congo onde enfrentou a barra mais pesada. Enviadas para propiciar segurança, as tropas das Nações Unidas chegaram a virar alvo.

Em dezembro de 2017, 14 militares da ONU foram mortos em confrontos com guerrilheiros locais, um grupo chamado Forças Democráticas Aliadas (ADF, na sigla em inglês), mescla de radicais islâmicos com bandidos comuns.

Com 75 milhões de habitantes, o Congo teve 4 milhões de mortos em batalhas nos últimos 10 anos. Pudera: são mais de 40 grupos rebeldes em conflito, entre eles e deles com o governo. Mais do que política, a grande disputa naquela área é pelo controle de minérios.

É por saber que os militares da ONU são alvo de ataques deliberados que Santos Cruz, quando pisa em território congolês, se desloca com escolta reforçada, mesmo que a contragosto. Na visita ao front em Beni, próximo à fronteira do Congo com Uganda, o general acompanhou em meados deste mês um patrulhamento dos capacetes azuis. Usou colete à prova de balas nível quatro (capaz de resistir a tiros de fuzil) e capacete de aço. Em torno dele, um grupo de seis militares das Nações Unidas com armas pesadas: fuzis e, inclusive, metralhadora belga de cinturão capaz de derrubar avião.

Exagero? Nem um pouco. A ONU contabiliza 90 militares mortos no Congo. Em 2015, o helicóptero em que Santos Cruz se deslocava no país foi atingido por disparos de metralhadora. Ele não se feriu, mas o aparelho fez pouso forçado.

Em outra ocasião, ainda sob sua liderança na missão das Nações Unidas, a mesma guerrilha ADF fez emboscada. Santos Cruz perdeu dois soldados (da Tanzânia) e amargou saldo de 15 feridos.

Resposta

Quando um grupo rebelde tentou tomar a cidade de Goma, com quase 1 milhão de habitantes, os capacetes azuis lideraram reação, com militares do governo congolês, que resultou em 400 baixas de guerrilheiros. É um raro caso de tropa de paz que devolve tiros recebidos.

O fato é que, mesmo tendo passado à reserva há sete anos, Santos Cruz tem mais vivências em terreno bélico do que a maioria dos militares brasileiros da ativa. Isso acontece porque o general deixou a carreira das armas, mas as guerras parecem buscá-lo. Foi já como reservista que aceitou comandar a gigantesca força de imposição de paz no Congo, uma babel composta por militares de 20 nações. Queixo erguido num estilo e semblante marcial, que lembra o famoso general americano George Patton, Santos Cruz vai sempre na frente das marchas forçadas, o que rende admiração dos liderados.

HUMBERTO TREZZI

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