20 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Tempos de guerra
1917 é o melhor filme da boa safra do ano passado. O segundo melhor é Parasita. Um inglês, outro coreano. Hollywood está atravessando uma de suas crises criativas. Ou se dedica a produções com efeitos especiais explosivos e inverossímeis, como os filmes de super-heróis, ou investe nos repetitivos contos melosos de amor, ou tenta lutar contra os preconceitos da sociedade ocidental.
Esses dois, 1917 e Parasita, não são nada disso. Apenas contam bem boas histórias, e é aí que pulsa o seu maior mérito.
1917 é uma história da Primeira Guerra Mundial, que, na época, era chamada de "A Grande Guerra". Óbvio: ninguém sabia que haveria uma guerra ainda maior não muito tempo depois. H.G. Wells chegou a escrever que aquela seria "a guerra para acabar com todas as guerras".
Se você procurar por notícias publicadas naquele tempo, e não depois, constatará que os europeus não só esperavam que houvesse uma guerra; eles a desejavam. Na Inglaterra, os jovens iam se alistar com alegria aventureira, como se estivessem partindo para uma colônia de férias. Na Alemanha, o entusiasmo não foi diferente. Há uma famosa foto de Hitler com 25 anos de idade na Odeonplatz, a praça principal de Munique, saudando a declaração de guerra em meio à multidão. Para alguns historiadores, a foto é falsa, porque o bigode de Hitler, então, era maior. Mas para alguns historiadores quase tudo o que conta a História é falso, para eles só existem os vastos movimentos estruturais da sociedade e qualquer façanha individual é lenda.
Mas, voltando ao tema de 1917, é interessante notar que, como os contendores foram mais ou menos os mesmos, ou seja, basicamente Alemanha versus o resto do mundo, muita gente pensa na primeira guerra como pensa na segunda. Os alemães, assim, seriam os vilões nas duas. Não foi o que aconteceu. Não havia ideologia envolvida na Primeira Guerra. Havia, tão somente, interesses.
Era aonde eu queria chegar. As ideologias foram fundadas com a Revolução Francesa, mas se acirraram, de fato, depois do fim da Primeira Guerra. E aí tudo ficou mais complicado, tudo ficou mais amargo, porque a partir de então há inimigos mesmo quando não há conflito.
No Natal de 1914, aos 150 dias de um drama que duraria 1.500, soldados alemães e britânicos realizaram uma confraternização espontânea e surpreendente. Sem a participação de generais ou de políticos, sem que os governos dos seus países sequer tivessem conhecimento, os soldados interromperam a luta e avançaram para a terra de ninguém, situada entre as trincheiras, onde trocaram alimentos e presentes, abraçaram-se, entoaram juntos cânticos natalinos e até jogaram partidas de futebol.
Aquela semana de paz foi uma vitória da humanidade. Foi um período em que os homens, realmente, entenderam que são irmãos. Mas, se os soldados de um lado achassem que no outro havia gente com ideias ou crenças inimigas, a trégua seria possível?
Claro que não, porque, para o crente e o dogmático, quem não pensa como ele não é um igual: é inferior moralmente.
As ideologias fizeram o mundo regredir da Primeira Guerra para cá. O mundo deixou de entender aquilo que um velho compositor baiano me dizia: que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o sol.
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