18 DE JANEIRO DE 2020
REINO UNIDO
"Não há precedentes de decisão semelhante"
RENATO VIEIRA E SILVA, Autor do livro God Save the Queen - O imaginário da realeza britânica na mídia
Doutor em Comunicação, Renato Vieira e Silva estuda há anos a realeza britânica como fenômeno midiático. Ele costuma afirmar que, em um mundo cheio de tragédias replicadas pela mídia, o esplendor da monarquia, na caracterização teatral de desenvolver sonhos, contribui para dar maior leveza à vida.
Como o senhor avalia a decisão do casal do ponto de vista midiático?
A realeza passa de tempos em tempos por fenômenos ou acontecimentos dessa natureza. Mas não há precedente na monarquia britânica de uma decisão semelhante. Alguns comparam com o que aconteceu com o tio da rainha, Eduardo VIII, quando ele abdica da coroa. Mas aquele contexto, nos anos 1930, foi muito diferente e mais impactante porque ele era o rei da Inglaterra, que desiste da coroa para se casar com uma mulher divorciada americana. Isso apressou toda a cadeia sucessória. Ao sair da função, passa o trono para o irmão, pai da atual rainha, que, por problemas de saúde, dura pouco. E a rainha Elizabeth II assume muito jovem o trono. O que Harry e Meghan estão decidindo agora é algo em busca de uma vida um pouco menos vinculada à instituição e a todas as obrigações que fazem parte dos rituais esperados da realeza.
A realeza se alimenta da fama?
Evidentemente. Tem o ônus e o bônus. A superexposição cria admiração, reforço da marca. É como a Coca-Cola. A monarquia britânica é a realeza mais conhecida do mundo. A marca vem sendo revigorada. Os casamentos, tanto de William quanto de Harry, representaram suspiros de modernidade, de pessoas que estão dentro de uma nova era. O fato de serem filhos de Diana, que também teve exposição midiática fabulosa, reforça isso. Ela sofreu bastante (com a exposição na mídia), mas, ao mesmo tempo, se aproveitava disso.
No que a realeza britânica se diferencia e como a decisão pode impactar outros reinos?
A realeza britânica é bem diferente. Há as chamadas monarquias discretas, como as dos países nórdicos, onde temos inclusive uma rainha com raízes no Brasil (rainha Silvia, da Suécia, é filha de mãe brasileira). Os membros têm atividades, mas não há superexposição. A Espanha era uma das mais expostas pelo papel do rei Juan Carlos, que teve participação grande no período pós-general Francisco Franco, e atuou pela redemocratização do país. Até que ele se retirou de cena ao ser flagrado em safári na África, caçando, em um momento em que boa parte da sociedade espanhola falava em proteção ao ambiente. Um fim melancólico. Já a de maior popularidade, com exposição e certa devoção, é a holandesa. Os reis interagem muito com a população. Existe o Orange Day, por causa da Casa de Orange, dinastia que governa a Holanda há pelo menos seis séculos. Nesse dia, todo mundo usa alguma roupa laranja para louvar a monarquia. O monarca também deu passo interessante ao se casar com uma argentina. Há também as monarquias extremamente discretas, como a japonesa. A casa real japonesa parece convento, você entra e ninguém fica sabendo.
Que papel a mídia britânica teve na decisão do casal?
Quando Meghan anunciou o nascimento do filho, um chargista colocou a foto de um casal, uma foto antiga e, no meio, um bebê chipanzé. Harry entrou com ações na Justiça. Eles passaram a ser mais seletivos. Mas o que deixou transparecer é que havia já processo de saída desde o ano passado: eles tinham viajado pela América do Norte por seis meses, já não passaram o Natal com a rainha, rompendo uma tradição e, agora, vieram com esse anúncio. Isso impacta a estrutura da monarquia.
William e Kate são contraponto a Harry e Meghan?
Com certeza. Muito mais assentados dentro do esperado. Nada de bizarro ou que fuja ao protocolo daquilo que é esperado do papel que venham a representar.
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