16 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Uma diferença entre Brasil e Estados Unidos
As pessoas sempre perguntam quais são as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos. Há algumas, uma em especial, que me surpreendeu mais do que todas quando mudei para cá. É algo de que talvez não me desse conta se viesse só a passeio. Morando no lugar e convivendo com as pessoas percebi como isso é decisivo para a boa convivência em sociedade. Como é, mais do que importante, fundamental para a qualidade de vida.
É a pressa. O brasileiro tem pressa.
Identifiquei essa característica em mim mesmo semanas depois de chegar. Ia atravessar uma avenida e vi que um grupo de pessoas estava imóvel na calçada, esperando o sinal abrir. Era um grupo grande, 15 ou 20 pessoas paradas de pé, a uma distância de pelo menos um metro uma da outra. Fui me metendo no meio delas, avançando em zigue-zague, até alcançar o meio-fio. Queria ser o primeiro assim que o semáforo ficasse verde.
Notei que ninguém se incomodou em ser "ultrapassado". Ao contrário, as pessoas se surpreendiam um pouco com a minha passagem e abriam espaço, como se dissessem: "Se você está com pressa, vá, siga adiante!" Era uma manifestação de solidariedade: eu devia estar atrasado para chegar a algum compromisso, por isso podia pular na frente de todos. Só que eu não estava atrasado. Enquanto atravessava a rua, pensei: por quê? O que eu ganhava com aquilo? Não ganhava nada. Passei na frente apenas por questão de hábito. Era assim que eu fazia.
É assim que fazemos, nós brasileiros.
Há uma razão para adotarmos esse comportamento. O brasileiro corre para frente porque tem medo de ser passado para trás. No Brasil, o cidadão enfrenta o risco diário de ser enganado, de perder o seu lugar, de não receber o que lhe é de direito.
Trata-se de defeito histórico. Os pioneiros do Mayflower chegaram aos Estados Unidos acompanhados de suas famílias com a intenção de construir uma nova nação, onde pudessem viver em liberdade. Os portugueses entraram no Brasil para sair: queriam extrair da terra todas as riquezas que pudessem carregar e voltar para gozar a boa vida em Portugal.
Assim, nos Estados Unidos o Estado foi realmente fundado pelo povo e para o povo. No Brasil, o Estado foi fundado para estar acima do povo, com a ideia de submetê-lo e controlá-lo.
Nos Estados Unidos, o povo se sente parte do Estado; no Brasil, o povo se sente à parte dele. No Brasil, o indivíduo espera que o Estado seja um pai protetor e teme que ele se transforme em um ogro opressor. Nos Estados Unidos, o indivíduo se sente do tamanho do Estado.
Foi sempre assim, e muito mais durante nossas experiências ditatoriais. Na ditadura, você precisa dos favores do governo. Se o governante não gostar de você, não há lei que o proteja. Então, você tem de conquistar simpatias, você tem de convencer o outro a lhe ajudar, você tem de correr, ou alguém, com mais influência, vai pegar o que é seu.
Entenda: não é a lei que garante ao brasileiro a concessão de seus direitos; é a boa vontade alheia. O porteiro talvez não deixe entrar, a balconista talvez não troque a mercadoria estragada, o funcionário da repartição talvez não despache aquele documento. É importante ter influência e chegar antes dos outros. Donde, a pressa.
Essa pressa nos causa terrível mal. É a pressa que nos faz sentir ansiedades e produzir imperfeições. É a pressa que nos faz tratar os outros como concorrentes. Foi a pressa de um motorista que matou aquela menina atropelada em Porto Alegre, dias atrás. A pressa parece um defeito banal. Não é. Como se vê, é capaz até de matar.
DAVID COIMBRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário