21 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
A cama de Churchill
No domingo passado, nós tomamos um trem e viajamos hora e meia até New Hampshire, para passar o dia em uma casa que foi construída há mais de três séculos e que já acolheu Winston Churchill. Toquei na cama em que Churchill dormiu. Achei isso importante. Sei que hoje tem gente que não gosta mais do Churchill, mas eu gosto. Fiquei imaginando a velha raposa britânica passeando por aqueles corredores atrás de sua barriga veneranda, fumando seu charuto, quem sabe repetindo:
- Nós nunca nos renderemos!
Nesta casa moram meus amigos Aloísio Laviola Fernandes e Michael Mathes. Os Mathes estão entre os pioneiros dos Estados Unidos. São ianques raiz. O Aloísio é um brasileiro que se transformou em anjo da guarda dos brasileiros que procuram o Hospital Dana-Farber para tratamento. Ele é chefe de um dos setores do departamento de intérpretes do hospital, mas sua atuação não se limita a traduzir consultas. Com seu conhecimento e sua atenção, o Aloísio é fundamental para quem chega a Boston sem saber nada da cidade e, pior, ainda desnorteado por ter que enfrentar uma doença como o câncer. O Aloísio me ajudou muito quando cheguei aqui, e assim nos tornamos amigos.
Agora, quando eu, a Marcinha e o Bernardo o visitávamos em New Hampshire, ele me deu um presente especial, e é disso que quero falar. O presente foi um livro, mas não um livro qualquer, e sim uma edição de 1877 de Poets Homes, que conta a história de poetas americanos do século 19 e das casas onde viveram.
O primeiro poeta abordado é Henry Longfellow, autor importante para os Estados Unidos exatamente por representar o espírito do que defini acima como "ianque raiz". Esse espírito moldou a Nova Inglaterra. Longfellow é o poeta da simplicidade. "Muitas pessoas triunfariam em coisas modestas se não estivessem obcecadas pelas grandes coisas", dizia ele, com o que concordo de todo.
Outra dele que assino e reconheço em cartório: "Um objetivo tentado, um objetivo cumprido: eis a conquista do repouso da noite".
Velho e bom Longfellow. Ele foi um dos chamados Boston Brahmin, a elite da cidade, que era regida por códigos de singeleza e austeridade. Um Boston Brahmin, ou "brâmane de Boston", tinha de ser, sobretudo, discreto. Seu nome só podia sair no jornal em três ocasiões: no nascimento, no casamento e na morte. Foram esses princípios que fizeram o Brookline Country Club hesitar em aceitar os coruscantes nomes de Gisele Bündchen e Tom Brady como sócios. A proposta deles estava sendo criteriosamente analisada, tempos atrás. Não sei se foram aceitos.
Esses brâmanes de Boston são definitivamente aristocratas, mas se vestem com roupas sem grife nem lustro e andam de trem. Sua preocupação é com a educação e a cultura. Foram eles que fundaram o primeiro colégio público das Américas, o MIT e a Universidade de Harvard, foram eles que ergueram as maiores bibliotecas, os mais belos museus e as mais faustosas galerias de arte. Muitos os consideram esnobes, mas foram eles que transformaram essa cidade num centro da ciência mundial capaz de erigir hospitais como o Dana-Farber, onde até uns caras do IAPI, como eu, podem encontrar ajuda.
Nisso tudo pensei ao abrir aquele precioso livro, domingo passado. Folheei algumas de suas páginas, parei na ilustração que mostrava a figura de bastas barbas de Longfellow e lembrei de outra das suas frases:
"Nós nos julgamos pelo que pensamos fazer, os outros nos julgam pelo que fazemos".
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