18 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Uma sentença de morte
Minha amiga Mariana Kalil está com câncer. Não é novidade, ela conta tudo a respeito nas redes sociais, e com pormenores, mas eu a acompanho mais de perto, nós conversamos sempre, estamos em permanente contato. Por dois motivos: por gostar muito da Mariana e para tentar ajudá-la com minha experiência no assunto.
A Mariana, agora, felizmente superou uma das etapas mais dolorosas desse processo de enfrentamento do chamado "imperador de todos os males". É a fase das más surpresas, quando você recebe uma notícia tão ruim, que parece inverossímil.
Escrevi acerca disso no meu livro Hoje Eu Venci o Câncer. Não foram poucas as notícias desanimadoras que me atropelaram, tempos atrás, mas houve uma que produziu uma reação bem curiosa.
Deu-se que, uma tarde, liguei para o médico a fim de saber o resultado de um exame importante e o resultado não foi negativo: foi péssimo.
- A doença está muito mais agressiva do que eu pensava - disse-me ele. - Praticamente incontrolável.
Entendi o que aquilo significava. E fiz a pergunta.
Não "uma" pergunta, e sim "a" pergunta. Que é difícil de fazer e difícil de ser respondida. Mas que devia ser feita. A seguinte:
- Quanto tempo eu tenho?
O médico vacilou, não havia como não vacilar. Pensou um pouco e deu uma resposta que, ao mesmo tempo, continha a sinceridade técnica que precisa ter o profissional e o otimismo quase exagerado que precisa ter o ser humano:
- Se tudo der certo, cinco anos.
"Se tudo der certo."
Era, obviamente, uma sentença de morte. Quando ouvi aquilo, estava na redação de Zero Hora, de pé no corredor, olhando pela janela, vendo os carros rodando lá fora, na Ipiranga. Desliguei o telefone, girei o corpo para voltar à mesa de trabalho e então vi que a telefonista fazia um sinal para chamar a minha atenção. Fui até ela e ela avisou:
- Tem dois estudantes de jornalismo na portaria, esperando pra te entrevistar.
Esquecera daquele compromisso. Pedi que levassem os rapazes para uma salinha de entrevistas e fui para lá. Sentei-me na frente dos dois jovens e eles começaram a falar. Eu entendia o que eles perguntavam e respondia sem problemas, mas a sensação que tinha era de que não estava ali. Parecia que eu era um personagem, que estava assistindo a um filme ou vendo aquele cara (eu) de longe, do alto, de algum lugar seguro e distante. Não sentia desespero, nem tristeza, nem raiva, nem mesmo inconformidade. Não sentia nada. Eu estava como que anestesiado. Falava e ouvia a minha voz como se fosse a de outra pessoa. Gostaria de saber o que aqueles dois acharam da entrevista.
A Mariana se identificou com essa história. Também ela experimentou essa sensação de alheamento, certa feita. O que me faz deduzir que a nossa mente é, de fato, espantosamente poderosa. O homem é o único animal que sente medo do futuro desconhecido, algo terrível. Mas, ante o perigo real, ante o presente concretamente ameaçador, a mente protege o ser humano lançando-o para fora de si mesmo. É como se a dor não fosse dele.
É uma faculdade que deveríamos aprender a dominar para usá-la em outras circunstâncias difíceis. Seria útil. Sei disso, porque foi essa trégua que me permitiu reagir. Na mesma noite daquela notícia ruim, eu fui em frente e tentei e insisti até encontrar uma solução que me fez continuar vivo para contar a história, com alívio e alegria. Sete anos depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário