02 DE ABRIL DE 2019
CARPINEJAR
Cinderelo
Ficar de braços cruzados é abraçar a si mesmo.
Eu ficava assim nas festas da escola. Abraçado a mim mesmo. Tinha tanto receio de ser feliz, que não abandonava o meu lugar, a minha continência, encostado na parede, enquanto os demais sacolejavam e gritavam na pista. Às vezes, só me mexia para ir ao banheiro ou alternava a posição com um copo na mão.
Permanecia como um poste durante três horas. Uma estátua de cera. Nem piscava. Nem ria. Nem dublava a música.
As reuniões dançantes com os colegas da escola significavam um martírio para mim. Porque era tímido. Porque me enxergava esquisito. Porque não sabia o que falar que não fosse assunto de aula. Consultava o relógio, esperando que chegasse a 1h para poder ir embora e não fazer feio saindo cedo.
Lembro claramente o quanto não conseguia tomar iniciativa. Talvez para não incomodar os outros. Talvez para não ser recusado. Talvez pela novidade nervosa da situação.
Meu desejo secreto era de que alguma menina se aproximasse de repente, que me tirasse para dançar, que me estendesse a mão espalmada do convite, que falasse para segui-la, que me acalmasse explicando alguns passos, que depois me incentivasse no momento em que eu não parecesse tão desengonçado, que eu esquecesse os meus medos e me descobrisse parte de uma turma. Eu imaginava bailando uma canção calma depois, colado nos ombros dela, enredado no perfume feminino, de olhos fechados, mastigando sem querer os cabelos por afoiteza, com esperança de sentir algo diferente.
Sonhava acordado, de pé, que alguém me resgatasse da solidão e me ensinasse a ser gente como toda gente.
Mas nunca aconteceu, jamais aconteceu. Estive em festas e festas com as fantasias movimentando a minha cabeça e a total imobilidade por fora dela. Não deixava de comparecer aos encontros para os pais não pensarem que não contava com amigos - e realmente vivi isolado grande parte da infância e da adolescência, não conseguia transformar os colegas em amigos.
Passei o Ensino Fundamental abraçado a mim mesmo, de braços cruzados, encostado na parede.
Por mais que não se acredite, há homens borralheiros no mundo, homens princesos, homens cinderelos, homens brancos de neve, homens retraídos, homens casulos e educados, homens contos de fada, ansiosos por um pouco de atenção para conhecer, enfim, a confiança e o amor-próprio.
CARPINEJAR
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