sexta-feira, 9 de novembro de 2018



A feira de sempre 

Poucas coisas duram muito neste mundo descartável, líquido, presentificado, pós-tudo e outros adjetivos novos que aparecerão amanhã ou hoje à noite, para tentar definir os estilhaços que andam voando por aí. Em meio a esta falta de fronteiras de países, pensamentos, de ações e da escassez de bom senso, então tem, ainda bem, a Feira do Livro. Ela é muito mais e vai mais além do mesmo. Ela é cada vez melhor e mais desafiadora de uns e outros que ficam falando em pouca leitura, livrarias e editoras em recuperação judicial e até em morte do livro. 

Se o livro morreu, o velório está bombando. Só não morrem os apocalípticos, que dizem que o teatro, o cinema, o CD e não sei mais o quê ou quem morreram. Só as profecias furadas não morrem. Pontual e imbatível como as flores primaveris dos jacarandás e madura como os versos da querrrrrrrida (sotaque meu de Bento Gonçalves) patrona da feira Maria Carpi, que prefiro chamar com carinho de Madrinha, a Feira do Livro está aí. A feira, viva como a luz da manhã. 

A feira está loira, brasileira, sexygenária e vestida como uma guria. A feira não quer saber de tempos, números e datas, coisas boas para cientistas, médicos, poetas e outros interessados neles. A feira é multimídia, tem centenas de ótimas atividades e expressões, mas para mim os escritores, os livros, as histórias e os leitores são os protagonistas do filme que sempre termina em final feliz. Sim, os editores, os distribuidores e os livreiros são os tri coadjuvantes ou coprotagonistas, pronto, está certo. 

Livro é muito mais que um jardim dentro do bolso, um paraíso portátil ou uma porta que se pode abrir para viver vidas, histórias e cenários infinitos. Livro é muito mais do que estar ao mesmo tempo acompanhado e sozinho. Livro é mar, não tem palavras ou definições capazes de expressar sua dimensão que vai além do tempo, do espaço e da imaginação. 

Livro é espaço e liberdade ilimitados, livro é plural, democrático, único, diverso e eterno. Livro é unânime como árvore. Ou quase. Quase ninguém é contra árvore ou livro. A Feira do Livro é isso tudo e mais, em praça pública, que é o espaço e o palco mais livre, criativo e digno para os humanos. A Feira do Livro em 1954 cabia num olhar. Naquele tempo, nós e o mundo, de certa forma, cabíamos num olhar. Hoje muitos olhares, sons, palavras, ruídos, percepções e até alguma harmonia, mediação ou diálogo. 

Hoje, até algum silêncio saudável e reparador em alguns momentos do dia em que deixamos de lado o vício da tecladição. Desculpem se não falo aqui, especificamente, de algum livro ou escritor. Essas linhas são para a Feira do Livro de sempre e para todos nós, em geral. Fico esperto e assim não me indisponho com ninguém e ganho a discussão sem começá-la. Poderia criticar algumas coisas da feira, mas não sou muito de criticar amigos. Amigos não têm defeitos, ou quase não. Principalmente amigos antigos, como a feira.   

A propósito... 

Parabéns, mais uma vez, para a Câmara Rio-Grandense do Livro, para o presidente Isatir Bottin e o vice Astomiro Romai, para as meninas Jussara Rodrigues, Sônia Zanchetta e o guri Gerson Souza, principais responsáveis por não deixarem o samba do livro morrer. Longa vida, campai, para eles e demais participantes e colaboradores da feira, para a Câmara, para o livro e para todos nós, que nunca vamos deixar de "pegar nos livros", como nos ensinaram nossos pais e avós. 

Mas pegar de leve, com carinho e atenção, como se o livro fosse a mão da(o) namorada(o). Melhor não forçar a lombada do livro, não atirar no chão e não fazer "orelhas" nas suas páginas. Livros são sensíveis, sofrem com maus tratos e, dizem, devolvem as energias ruins para a origem. 

Jaime Cimenti - Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/11/655849-roma-por-airton-ortiz.html) - Jornal do Comércio 

https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/11/655849-roma-por-airton-ortiz.html)

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