quinta-feira, 22 de novembro de 2018


22 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

A mulher que era chamada de Moisés e o homem que era chamado de Faca

Se você leu o estupendo Enterrem meu Coração na Curva do Rio, de Dee Brown, saberá que os índios americanos chamavam o presidente Andrew Jackson de Faca Afiada, e não porque o admirassem, mas porque o temiam.

Saberá, também, que foi Faca Afiada o principal responsável pela expulsão dos índios de suas terras ancestrais, empurrados que foram para o oeste do Rio Mississippi e, depois, para muito mais além. Essa remoção forçada os índios começaram com a tristemente famosa Trilha de Lágrimas, que eles traçaram a pé, passando todo tipo de necessidades e perigos, sofrendo, chorando, morrendo aos milhares.

É por essa razão que não gosto muito desse Faca Afiada. Mesmo assim, reconheço que ele foi um presidente importante na história americana. Os Estados Unidos se transformaram neste imenso país muito por causa dele. Entendo, portanto, que a nota de 20 dólares, a mais popular de todas, ostente a efígie de Jackson. Agora mesmo estou olhando para seu anguloso rosto de falcão, sua basta cabeleira branca de profeta, suas sobrancelhas espessas como taturanas, e penso:

"Falta pouco mais de um ano, Faca Afiada?".

Porque, em 2020, a figura de Jackson será substituída na nota de 20 dólares por uma bem mais aprazível, uma mulher negra, ex-escrava, chamada Harriet Tubman. Essa mulher foi uma espécie de anti-Jackson. Ele foi apelidado de Faca Afiada, por ter sido responsável pela morte de milhares de índios; ela, de Moisés, por ter sido responsável pela libertação de dezenas de escravos.

A história de Harriet é notável. Depois que ela conseguiu se libertar, mudou-se para o Norte, para a Filadélfia, onde não havia escravidão. Mas não se contentou em apenas tocar a sua vida em paz: organizou viagens ao Sul a fim de resgatar escravos das plantations e levá-los para os Estados do Norte, onde ficariam a salvo. Ela conhecia todos os atalhos e todas as artimanhas para enganar os feitores sulistas. Fazia essas incursões geralmente nos finais de semana, para não dar tempo de os jornais noticiarem a fuga. 

Caminhava à noite, por entre o escuro dos bosques, levando sempre duas galinhas debaixo dos braços. Se aparecesse alguém das fazendas ou da polícia, soltava uma galinha e corria atrás, como se fosse uma criada das imediações ocupada com o jantar do patrão. Harriet fez isso mais de 10 vezes e libertou mais de 70 escravos. Muito melhor ver o seu rosto na nota de 20 dólares. Trump, é claro, não quer que Jackson dê lugar a Harriet. Trump admira Jackson. Mas creio que, desta vez, Trump não vencerá. A boa Harriet Tubman aposentará o Faca Afiada.

Conto essas histórias antigas para ilustrar o esforço dos americanos para se redimir da escravidão. Eles tentam. Eles se empenham. Mas, ainda assim, há, nos Estados Unidos, um tipo de divisão racial que não existe no Brasil. É um tema complexo. Donde, preciso de mais espaço. Aguarde até amanhã.

DAVID COIMBRA

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