terça-feira, 27 de novembro de 2018



27 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Filhos soltos no futuro

A violência é emocional, é psicológica, é integral. Já entrou nos hábitos, nas gavetas, nos bolsos das roupas, nas brechas de amar, no roteiro das amizades.

Não saímos mais de casa com todos os cartões de crédito, a carteira se mostra cada vez mais magra e elementar na rua. Relógios são abandonados nas suas caixinhas de presente. Há um sorteio entre o casal para definir quem carregará o celular.

É um Deus pra lá, um Deus pra cá nas conversas ao pé de porta. "Vai com Deus, fica com Deus".

O "eu te amo" foi substituído por "te cuida".

O "tchau" e o "adeus" não têm mais nenhuma diferença.

Escuta-se o noticiário e os crimes que antes surgiam genericamente espalhados pela cidade irrompem agora no próprio bairro, na própria rua, com os vizinhos, cada vez mais perto e palpáveis.

Percebe-se que o pânico atingiu o seu ápice quando homens e mulheres, sempre obedientes às regras, sempre disciplinados com as suas contas, sempre honestos com os seus tributos, precisam transgredir uma lei para manter em vigor a Lei Maior da Vida.

Quem é do bem se vê obrigado, ironicamente, a deixar de cumprir uma legislação. Não porque não quer, mas porque não pode.

Com o número galopante de roubos de veículo à mão armada, o carro familiar virou um carro-forte, um laboratório de tragédia.

Preocupadas com a banalização das ocorrências policiais, as famílias vêm desistindo de afivelar suas crianças nos cintos das cadeirinhas (permanecendo apenas com a barra de proteção). Seria uma temeridade de trânsito numa época civilizada, mas se converteu em capricho na atual bolha de horror.

Os pais estão escolhendo um mal menor. Infringem um costume para conter o perigo de um sequestro. Abdicam da segurança pela sobrevivência. Optam pelas multas para não sofrer a ameaça de sequestro dos seus pequenos.

Não pretendem correr o risco de um assalto e da possibilidade de o ladrão, no calor da aflição, na afoiteza de fugir, levar as suas crianças.

Antes, a grande malandragem era atravessar semáforos vermelhos na madrugada, agora soltam as crianças, afrontando o bom senso. Onde vamos parar?

Os pais simulam como entregar o veículo mais rapidamente e resgatar em tempo hábil aquele que senta lá atrás. Cronometram o ensaio na garagem. Reúnem-se para treinar em grupo. Acreditam que um dia o pior vai acontecer, não existem exceções.

Ainda que os carros sejam blindados e com insufilm, a aguda intuição paterna e materna vive dos sobressaltos dos pressentimentos.

Há um medo no ar de passear e não voltar, de ir para a escola e não voltar, de ir trabalhar e não voltar. Há uma guerra pessoal e silenciosa aterrorizando os lares, paga parceladamente com suor e taquicardia.

CARPINEJAR

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