28 DE NOVEMBRO DE 2018
NÍLSON SOUZA
Monges copistas
As grandes livrarias estão em crise. Fecham lojas, diminuem seus quadros e, em alguns casos fartamente noticiados, apelam para a recuperação judicial. Como amo ler e sempre sobrevivi das letras, acompanho esse assunto com preocupação. Há quem diga que se trata apenas de um reflexo da crise econômica por que passa o país. Passa? A impressão que a gente tem é a de que não passa nunca. Outros, mais definitivos, asseguram que o livro físico já era. Não tem mais como concorrer com os leitores eletrônicos, que colocam bibliotecas inteiras ao alcance dos nossos dedos nas telinhas luminosas. Quem dera fosse isso! Pelo menos a leitura estaria assegurada.
Temo que o problema (problema?) seja ainda mais grave: as pessoas estão deixando de ler livros impressos para dedicar tempo e atenção a coisas menos profundas, embora, provavelmente, mais prazerosas para elas, tais como trocar mensagens com amigos, visualizar vídeos engraçadinhos e navegar nas redes sociais. Por isso coloquei problema com a condicional da interrogação. Os livros fazem falta para mim e para a minha geração de monges copistas, mas, ao que parece, cada vez mais gente os considera apenas peças de museu.
E olha que já foi definido pelo grande Umberto Eco como objeto perfeito: "O livro é como uma colher, tesouras, um martelo, a roda. Uma vez inventado, não pode ser melhorado". Mas, pelo que se vê atualmente, pode ser deixado de lado, desprezado, esquecido. A internet não está acabando com o livro, está acabando com a leitura de textos mais elaborados.
É inegável que a revolução digital extingue negócios e profissões, embora também abra espaço para outros ofícios. Referi acima os monges copistas da Idade Média porque essa foi uma atividade que desapareceu exatamente devido à invenção da imprensa, que agora parece estar completando seu ciclo. Eles eram as pessoas mais cultas de sua época, muitas vezes as únicas que sabiam ler e escrever. Especializaram-se em copiar à mão os raros textos existentes. Com a impressão em papel pelos tipos móveis criados por Gutenberg, os livros tornaram-se baratos, multiplicaram-se, e o trabalho dos religiosos tornou-se desnecessário.
Os monges copistas desapareceram da face da Terra.
As videolocadoras e as ferrarias, também. Quando eu era menino, muitas vezes acompanhei fascinado o trabalho do ferreiro do meu bairro, que segurava a perna do cavalo sobre seu próprio joelho e, com a outra mão e uma espécie de alicate, colocava o ferro incandescente no casco do animal, pregando-o com cravos de aço. Tenho até hoje a memória olfativa da fumaça que se desprendia daquele ato quase brutal, ainda que destinado a proteger as patas do bicho do desgaste. Sei que ainda hoje os animais de tração e de montaria recebem seus sapatos de ferro, mas a ferraria como negócio, pelo menos nas grandes cidades, praticamente desapareceu. Já as videolocadoras resistiram até os últimos saudosistas de fitas cassetes descobrirem a Netflix.
Terão as livrarias o mesmo destino? Não sei se podemos fazer algo, mas contem comigo para o movimento de resistência.
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