10 DE NOVEMBRO DE 2018
PAULO GLEICH
DOUTOR GOOGLE
Ele parece o médico ideal: está disponível 24 horas por dia, não é preciso agendar consulta nem testar a paciência na sala de espera, sequer é preciso sair de casa. Incomodado por algum sintoma ou mal-estar, basta colocar no campo de busca algumas palavras-chave e, em segundos, surgem milhares de páginas com diagnósticos os mais variados. Esse é o Doutor Google, médico cada vez mais popular em nossos tempos hiperconectados.
Diferentemente dos médicos comuns, o Doutor Google não tem as restrições impostas pelas especialidades: entende de tudo. Assim, pode-se aproveitar uma mesma consulta para diagnosticar a dor de garganta, as manchas na pele e a irritabilidade exacerbada dos últimos dias. Aliás, para os sofrimentos da alma, ele vem sendo cada vez mais consultado, já que hoje em dia é difícil não ter um diagnóstico psiquiátrico para chamar de seu.
Doutor Google dá a impressão de que qualquer um pode ser médico: há material virtualmente infinito para isso, com páginas, fóruns, guias girando em torno de doenças e tratamentos os mais variados, dos ortodoxos aos ditos alternativos. Sobre uma mesma condição é possível obter em segundos várias segundas opiniões, comparando diagnósticos de diferentes sites. Tem quem realize verdadeiros colóquios, fazendo dialogar as diferentes informações encontradas nas buscas.
O Doutor Google é o médico preferido dos hipocondríacos, sempre decepcionados com os de carne e osso por serem incapazes de diagnosticar aquela doença que eles têm absoluta certeza de portar. Ele não: sempre deixa aberta a possibilidade de ser uma condição exótica, grave, mortal - mesmo com sintomas banais. A cornucópia de desgraça jamais se esgota, para alívio do hipocondríaco, cujo sonho é padecer de algo tão raro que apenas ele tem.
Também é o médico preferido daqueles que não querem saber o que têm, por medo ou por vergonha. Preferem ficar em intermináveis discussões solitárias com o Doutor Google a expor seus temores a um médico de verdade, que poderá confirmar notícias não muito auspiciosas. O Doutor Google também sempre deixa aberta a possibilidade de não ser nada muito sério, para alívio do paciente temeroso.
Afortunadamente, ele ainda não fornece requisições de exames nem prescrições de medicamentos: haveria filas de pessoas com dor de cabeça para fazer ressonância magnética atrás de supostos tumores, e os antibióticos perderiam de uma vez por todas sua eficácia. Não quero nem imaginar o que aconteceria se o Doutor Google entrasse para o ramo da cirurgia, do qual, por enquanto, mantém-se bem afastado.
Evidentemente, não há como comparar o Doutor Google a um médico de verdade, o que boa parte dos sites tenta alertar com avisos de que as informações ali contidas não substituem uma visita a um profissional - grande parte das vezes, em vão. Essa confusão acaba ocorrendo pela ilusão promovida pela internet de que informação é o mesmo que conhecimento: se tenho acesso à informação, por que precisaria falar com alguém sobre o assunto?
Poderiam estar na internet todos os compêndios de medicina, mas apenas quem se relacionou ao longo de vários anos com o estudo e a prática clínica tem condições de utilizar bem essa informação. A fé que depositamos na tecnologia faz crer que o humano se tornará obsoleto, mas o Doutor Google é a prova de que, na realidade, é todo o contrário. Em caso de dúvida, consulte um médico - ou psicólogo.
PAULO GLEICH
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