12 DE NOVEMBRO DE 2018
MUNDO
Vítimas de uma guerra esquecida
SEGUIDORES DA FÉ baháí são alvo de perseguição no Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe
Mensagens cifradas com pedidos de ajuda chegam ao celular de Marya Chrakhi, em Esteio, na Região Metropolitana. Escritos em Sanaa, a capital do Iêmen devastada pela guerra, os textos aprofundam a angústia da empresária. Seus amigos e companheiros de fé bahá?í estão correndo perigo.
- Tu estás caminhando, eles param o carro e te levam. Se estás em casa, quebram a porta e entram - relata Marya, natural dos Emirados Árabes Unidos e uma das cerca de 2 mil bahá?ís no Rio Grande do Sul.
"Eles" são rebeldes houthis, movimento armado religioso-político islâmico que controla parte do Iêmen. São o poder de fato na capital. Desde 2012, esse grupo vem perseguindo os seguidores da religião bahá?í, minoria que representa 1% da população do país majoritariamente muçulmana. O risco de aniquilamento dessas pessoas já acendeu o alerta na ONU, mas nada foi feito para protegê-los.
A perseguição aos bahá?ís é uma face esquecida de uma guerra também pouco lembrada que atinge um dos mais pobres países do mundo árabe. O Iêmen é campo de batalha de duas potências regionais: de um lado, as forças oficiais do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi, apoiadas por uma coalizão sunita liderada pela Arábia Saudita. Do outro, a milícia rebelde houthi, xiita, apoiada pelo Irã.
Os houthis acusam os bahá?ís de satanismo e de travarem uma guerra contra o islamismo. A retórica é semelhante à usada pelo grupo terrorista Estado Islâmico para justificar ataques aos yazidis, na Síria. No caso dos bahá?í no Iêmen, são centenas de prisões arbitrárias e algumas condenações à morte. Marya explica que sua religião defende a paz e o direito ao livre pensamento. Por isso, é perseguida.
- O ser humano tem direito de pensar e saber que, com guerra, não chegaremos a lugar nenhum. Os bahá?ís querem deixar o povo pensar. Bahá?u?lláh (fundador da religião) diz que a gente tem de fazer isso. Por isso, pegam os bahá?ís ativos - conta.
Em agosto de 2016, autoridades em Sanaa prenderam mais de 60 bahá?ís, entre homens, mulheres e crianças em uma conferência educacional organizada pela Fundação Nida e pela comunidade. Também invadiram as casas dos seguidores da fé e apreenderam telefones e documentos, incluindo passaportes. Os parentes dos presos são obrigados a pagar propina para que sejam libertados.
Um dos sentenciados à pena capital é Hamid Kamali Bin Haydara, amigo de Marya. Ele foi preso em 2013 acusado de "comprometer a independência do Iêmen e por difusão da fé bahá?í". Segundo a empresária, que mantém contato cifrado com a mulher de Hamid em Sanaa, por meio do WhatsApp, o homem sofre de problemas de saúde graves. Na cadeia, sofreu tortura, com espancamentos e choques elétricos. Hamid é acusado ainda de atuar como espião de Israel. Dezenas de audiências foram canceladas ou adiadas sem justificativa.
Em 2 de janeiro, o juiz Abdu Hassan Rajeh condenou Hamid à forca em praça pública. O veredito também exigiu o confisco de seus bens e a dissolução de todas as assembleias bahá?ís no Iêmen.
- Ninguém quer aceitar isso. Estamos fazendo de tudo para retirar a acusação - conta Marya.
Outros 24 bahá?ís, entre eles oito mulheres e uma adolescente, podem ter o mesmo destino. Um painel de especialistas da ONU pediu que as acusações sejam retiradas e disse que os houthis devem encerrar a campanha contra o grupo. Em março, o líder dos houthis, Abdu?l-Malik al-Húthí, discursou denunciando o "movimento satânico bahá?í" que está "travando uma guerra doutrinária" contra o Islã. Ele instou os iemenitas a defenderem seu país contra essa comunidade.
- Se olhares para qualquer bahá?í em qualquer lugar do mundo, verás que são contra violência, contra armas. Bahá?í é paz, a gente não engana ninguém, não faz violência contra ninguém - explica Marya.
O uso de propaganda para incitar a violência contra um grupo religioso, seguida de detenções ilegais e falta de julgamento justo é um dos estágios do genocídio, conforme especialistas, como o professor Gregory Stanton, pesquisador em Estudos e Prevenção de Genocídio na George Mason University, na Virgínia, Estados Unidos. Segundo seus artigos, essa propaganda é frequentemente usada para "desumanizar" os grupos-alvo.
RODRIGO LOPES
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