13 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA
A Suécia é aqui
Mania de comparar o Brasil com a Suécia! Irrita, isso. Ontem, o Kakay, famoso advogado de defesa dos políticos acusados de corrupção, veio com essa, durante o Timeline, da Gaúcha. "Ah, porque a Suécia?" Que Suécia! A Suécia é menor do que o sul do Brasil, é um país gelado, de população homogênea: na Suécia só tem sueco. Ou quase. Vem me comparar a Suécia com o Brasil?
Compare o Brasil com os Estados Unidos, país de história, população e tamanho semelhantes. Nos Estados Unidos, aliás, há uma Suécia: é bem aqui onde moro, Massachusetts. Aqui a população é um pouco menor do que a da Suécia: lá, cerca de 9 milhões; aqui, cerca de 7. Mas o nível de vida é parecido. As condições de educação, de saúde e de moradia são ótimas. E também de segurança, assunto abordado pelo Kakay.
Você anda pelas ruas das cidades de Massachusetts e se espanta: as caixas das encomendas da Amazon estão nas varandas das casas, casas sem grade ou cerca. Nos jardins em volta das varandas, não raro há bolas e bicicletas largadas pelas crianças quando as mães as chamaram para jantar. Foram deixadas ali na noite anterior, e ali ficaram. Perto de onde vivo, há uma pracinha muito linda, onde brincam crianças pequenas. Os moradores do entorno plantam roseiras nessa praça. Rosas robustas, do tamanho de um punho de goleiro, nascem, crescem e morrem sem que ninguém as arranque para levá-las à mulher amada. A vizinhança gosta de deixar, na praça das rosas, todo tipo de brinquedos: patinetes, bicicletinhas, bolas, bonecas. São brinquedos novos, reluzentes. Que ficam lá, ninguém tem a ideia de presentear o filho com um desses mimos desprotegidos.
Por que há segurança em Massachusetts? Há brasileiros no Estado. Muitos. O lugar em que há mais brasileiros fora do Brasil, proporcionalmente, é Massachusetts. Há outros latinos. Há europeus, africanos, asiáticos, australianos. Mas todos se comportam da mesma forma, respeitando a lei. Como se fossem suecos. Por quê? Por que os Estados Unidos conseguem produzir uma Suécia em seu território?
Resposta: porque deixam. Porque cada Estado é, realmente, um Estado. Com autonomia legal e tributária. Com possibilidades de decidir como quer viver. Isso vem desde os primórdios dos Estados Unidos. Na verdade, antes mesmo de os Estados se unirem. A independência ainda não havia sido proclamada e Benjamin Franklin disse o seguinte sobre as colônias: "Elas têm governos diferentes, leis diferentes, interesses diferentes, confissões religiosas diferentes e costumes diferentes".
Assim elas continuam, agora sob a forma de Estados. Porém, unidos. Para um país desta dimensão e desta natureza, funciona. Há muita coisa que deve ser repelida nos Estados Unidos. Mas isso o Brasil deveria imitar.
Há outro fator que torna não apenas Massachusetts um Estado seguro. Torna, também, Nova York uma cidade mais segura do que Porto Alegre ou Caxias do Sul.
Esse fator é a punição.
Advogados de defesa, como Kakay, apreciam leis lenientes. Elas são boas para seus clientes, péssimas para a sociedade. No Brasil, prende-se muito, como acertadamente alegou Kakay. Mas prende-se mal. O pequeno meliante, o escroquezinho, o vapozeiro, esses lotam as cadeias, enquanto o bandido que matou duas pessoas, como o rapaz que era o alvo do ataque no hospital de São Leopoldo, semana passada, ganha a liberdade depois de escassos sete anos preso.
Nos Estados Unidos, prende-se muito mais. Prende-se até demais. Mas a certeza da punição é um dos motivos da vertiginosa diminuição da criminalidade no país, desde os anos 1970. Há muitos outros (entre eles, a liberação do aborto), mas esse é importante. O brasileiro que não colhe a caixa da Amazon ou a bicicleta largadas em um alpendre de Massachusetts é o mesmo que, no Brasil, não hesita em roubar a carga de um caminhão acidentado. Por quê? Porque ele sabe que nos Estados Unidos será castigado; no Brasil, não.
São essas percepções que têm de mudar no país. E outras mais. Se mudarem, o Brasil não se tornará uma Suécia. Mas pode ficar bem parecido com os Estados Unidos.
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