Vitor Necchi e o nosso tempo
Não existe mais dia seguinte (Editora Taverna, 196 páginas,R$ 44,90), do professor, jornalista e escritor Vitor Necchi, nascido em Porto Alegre em 1970, apresenta 60 crônicas sobre três temporalidades: o presente, tratando de nosso fundo fraturado e violento; o pretérito, com memórias, reminiscências, personagens, fatos e universo familiar, afetivo e cultural do autor; e a terceira temporalidade, que pode ser definida como o momento em que Necchi deixa um pouco de lado o rigor jornalístico para se direcionar à narrativa ficcional.
A crônica, muitas vezes, como se sabe, mescla os atributos do jornalismo com os da literatura. Necchi é jornalista formado pela Ufrgs, mestre em Comunicação Social pela Pucrs e é doutorando em Letras na Ufrgs. Alguns dos textos que compõem a coletânea foram publicados em Zero Hora, nos jornais digitais Sul21 e Carta Maior, e outros foram escritos para o Facebook e para um blog, o Cacto, que o autor manteve nos primeiros anos deste século XXI.
O olhar e a escrita do autor são sensíveis, profundos e os textos, elegantes, fazem referências às artes, à música, ao cinema e à literatura. Quer dizer, as crônicas de Necchi, tratando de diversidade, memória, o imediatismo das notícias, morte, racismo, privacidade, ódio contra os LGBTQI e ascensão de movimentos fascistas, entre outros temas palpitantes, não apenas registram nossos dias com atenção e delicadeza.
Elas se relacionam com as produções culturais que envolvem os temas e aí os textos ganham outras dimensões. Como é envelhecer? Quem cuida da gente e como? Para onde vão nossos livros quando morremos? Depois que tivermos partido, alguém escreverá sobre nós, sobre nosso modo de falar e sobre nossos pensamentos e amores? Porque obituários silenciam sobre casamentos homoafetivos?
Por que a luta de classes sumiu do jornalismo? Por que determinados discos e livros nos tocam tanto? Essas e outras questões estão na obra, que, como se percebe, fala - e muito - sobre esses nossos tempos tão rápidos, cambiantes e estilhaçados. Não existe mais dia seguinte traz crônicas que biografam os tempos, as pessoas e os acontecimentos destas últimas décadas e mostra que ainda existem cronistas no Brasil e não apenas autores de pequenos artigos de opinião.
Não é pouco. Lançamentos Quem move as peças (Editora Moinhos, 236 páginas, tradução de Fernando Miranda), romance do premiado e consagrado escritor e tradutor argentino Ariel Magnus, autor de Un chino em bicicleta, a partir dos diários do avô judeu Heinz Magnus, traz narrativa extremamente bem construída e moderna, com humor, memórias e referências a outros textos literários. Personagens fictícios, figuras históricas, ficção e realidade estão na obra. A elegância do silêncio (Modelo de nuvem, 224 páginas) de Gilmar Marcílio, escritor e filósofo, apresenta uma coletânea de crônicas, muitas publicadas no jornal Pioneiro, para o qual escreve atualmente.
Marcílio habilmente trabalha temas do cotidiano, como a política, a arte de viver, os caminhos da mente e a busca da perfeição e o faz com a bagagem literária e filosófica das muitas leituras que faz desde a infância. A política da fé e a política (É Realizações, 232 páginas), do historiador Michael Joseph Oakeshott (1901-1990), aborda ceticismo, fé e política.
O autor fala de Rousseau e Marx, que acreditam em seres dominando a vida social e política e fala de céticos como Montaigne, Pascal e Hobbes, para quem governos não são perfeitos. Oakeshott busca balancear fé na capacidade humana com uma medida de ceticismo não absoluto. -
Jornal do Comércio https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/11/656585-vitor-necchi-e-o-nosso-tempo.html)
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