26 DE NOVEMBRO DE 2018
CELSO LOUREIRO CHAVES
UM VIOLÃO
Mais um álbum com músicas de Francisco Mignone, o compositor brasileiro do século passado. Vida longa e música chegando até os 1980, sempre no mesmo passinho da inspiração brasileira, das festas e das valsas. Agora mesmo, o novo álbum reúne as 12 Valsas Brasileiras em forma de estudos para violão, de 1970. Valsas tão raramente tocadas que o registro de agora é o primeiro. E, se não fosse o violonista Edelton Gloeden, talvez essas valsas permanecessem esquecidas para sempre.
As 12 valsas, por serem 12, caminham pelo dó-ré-mi-fá-sol-lá-si de sempre, mas com um tempero: são tonalidades menores, o que já faz com que o ouvinte esbarre na melancolia e na saudade. Como diz o próprio Edelton, são sonoridades escuras para o violão, prontas para explorar novos afetos. Vai longe o entusiasmo e a festa das feitas matinais. O terreno é mesmo o da música noturna, para não dizer... soturna.
Por volta dos 1970, a música de Mignone era considerada ultrapassada, boa de ser atacada. Até José Maria Neves, pesquisador extraordinário, deu uma derrapada ao falar sobre Mignone no seu livro sobre música brasileira. Ele diz algo como: "as soluções propostas por Mignone para a tensão entre forma e conteúdo não correspondem às preocupações dos dias de hoje e por isto mesmo perdem toda a sua força". Hoje, aqueles dias de hoje são ontem e surpreende que o compositor continuasse compondo apesar (ou por causa?) destes ataques.
A recuperação da música de Mignone, em álbuns e partituras, prova que às vezes a música é mais forte que a crítica. O registro das Valsas Brasileiras é assim. Edelton Gloeden fala na cumplicidade que o intérprete deve ter com o compositor, ainda mais registrando uma obra esquecida há décadas. Não se poderia encontrar violonista melhor para essa cumplicidade com o espírito de Mignone. Não há dificuldade técnica que Edelton não transforme em música, não há música que ele não recrie como se dele mesmo saíssem aquelas partituras.
É isso que a música brasileira de concerto merece. Tanto nela foi esquecido que cada memória recuperada é um mundo de sons à nossa espera.
CELSO LOUREIRO CHAVES
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