13 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR
As doces interrupções da vida real
O mundo digital nos viciou a nunca descansar. Mergulhamos o tempo inteiro em nossos celulares, iPads e computadores. Estar off-line é o mesmo que desaparecer. É um falso controle, descontrolado.
Não suportamos os intervalos comerciais da vida. Não queremos perder nenhuma informação com as pausas. Assistimos a filmes e séries de modo emendado, em maratonas abusivas. Não reagimos bem com o telefone chamando no meio de uma tarefa. Não atendemos ao interfone de casa para um imprevisto. Não há vontade de fazer algo que não se deseja. Ser interrompido, chamado, interpelado já é motivo de irritação. Relacionamentos complicados são descartados de saída. Não toleramos decepções e frustrações. Privilegia-se o prazer integral, esquecendo que a exclusividade do prazer é egoísmo. Todos correm, todos nunca podem respirar para fora de seus objetivos.
Onde foram parar as nossas distrações, os nossos devaneios, as nossas paradas de pensamento para ver se realmente estamos no caminho certo? Não existe a dúvida, a hesitação, o recuo necessários.
O que eu admirava no futebol com os amigos na minha infância, no campinho de areia da Praça Tamandaré, era o momento em que parávamos o jogo quando um avião cortava o céu. Congelávamos, estátuas repentinas, não importando se um gol estava prestes a acontecer e se a equipe desfrutava de vantagem. Cessávamos o nosso compromisso por um pouco de beleza. Só para acenar ingenuamente para o alto. Os aviões costumavam ser os nossos cometas rasgando o horizonte. Nem por isso a partida perdia emoção. Estávamos abertos aos improvisos, diferentemente de hoje.
O que mais gostávamos dos trabalhos em grupo na casa de um colega era da preocupação do pai e da mãe. Batiam na porta do quarto oferecendo um lanche com Ki-Suco. Na minha residência, tirávamos proveito dos bolinhos de chuva, que açucaravam as páginas dos cadernos dali por diante.
O que mais me inspirava ao acompanhar novelas na televisão era a propaganda, tinha que correr para fazer pipoca antes do retorno do próximo capítulo. Cronometrava a saída para não me extraviar na trama. A família inteira se esparramava no sofá, dividindo a bandeja e o cobertor.
As horas mais doces sempre vinham quebradas. As pequenas e inesperadas interrupções elevavam o espírito.
CARPINEJAR
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