O triste fim de Ronaldinho
Sem motivação para o futebol profissional e com uma vida social intensa, o ex-melhor do mundo chega ao epílogo da carreira de forma melancólica
Sem camisa, Ronaldinho Gaúcho caminha para deixar o gramado do estádio Camp Nou, em Barcelona, após vitória sobre o Athletic Bilbao. Antes de entrar no vestiário, centro das atenções dos fotógrafos e cinegrafistas, ele abaixa um pouco o calção e exibe a cintura. Sorrindo, pergunta: "estou gordo?"
A cena aconteceu em fevereiro de 2007. Antes da partida, jornais da Espanha exibiam uma foto de Ronaldinho sem camisa. Questionavam a sua forma física e apontavam ausências em treinos e consumo de álcool como justificativas para isso. Na época, o então melhor do mundo ainda reagia, principalmente, dentro de campo.
Oito anos depois, no Maracanã, o técnico do Fluminense, Eduardo Baptista, pede para Ronaldinho jogar até o final da partida contra o Goiás, no sábado (28). "Acho que já deu para mim", responde ele. Dois dias depois, sua saída do clube carioca é anunciada. Do ápice no Barcelona, em 2006, à saída do Fluminense, na última semana, o craque até teve lampejos de genialidade, mas conviveu com o fantasma de não ser mais o já que foi no futebol.
Em 2006, o ex-craque da seleção e colunista da Folha, Tostão, disse que Ronaldinho Gaúcho estava "no nível do Maradona e do Garrincha e só abaixo do Pelé". Àquela altura, aos 25 anos, ele estava no ápice. Foram anos de glória, que começaram a ruir em 2008. O que explicaria a queda a partir de então?
Não houve um único episódio específico. Ronaldinho começou a jogar em alto nível aos 11 anos. Depois de obter os maiores títulos que um jogador pode almejar, a motivação começou a se esvair. E as baladas, das quais sempre gostou, passaram a se tornar um fardo mais pesado.
Quem conviveu com ele no Fluminense relata pelo menos três oportunidades em que o gaúcho chegou aos treinos embriagado e voltou para casa. Demonstrava mais uma vez que, embora adore o futebol, não suporta mais as cobranças do esporte profissional. Jogadores e técnicos revelam episódios semelhantes em outros clubes, desde a época do Barcelona.
Procurado, ele não quis se pronunciar. Seu irmão e empresário, Roberto Assis, tampouco respondeu sobre os casos relatados à Folha.
CASOS DE FAMÍLIA
Ronaldinho perdeu o pai aos nove anos. Em 1989, o soldador João Moreira da Silva morreu ao cair e bater a cabeça no fundo da piscina vazia da casa do seu filho Assis.
Desde então, Assis, 44, assumiu o papel de tutor do irmão. Pessoas que convivem com o atleta contam que é ele quem decide os rumos da carreira do meia-atacante e define negociações com clubes e patrocinadores. Por influência de Assis, Ronaldinho aceitou jogar no Querétaro, do México. Ele não queria morar na cidade, apesar de ser um dos lugares com melhor padrão de vida do país.
O problema, era a falta de opções para diversão. Mais de uma vez Ronaldinho ameaçou pegar um avião e voltar para o Brasil. Criticado pela imprensa local por não render o que se esperava e rebaixado à posição de reserva, o jogador deixou o futebol mexicano. Depois da passagem malsucedida pelo México, Ronaldinho acertou com o Fluminense em julho deste ano.
Antes da assinatura de contrato, o vice-presidente de futebol do clube, Mario Bittencourt, telefonou e avisou que iria à sua casa no Rio. Enquanto conversava com Assis, Bittencourt assistia à partida de Ronaldinho na quadra de futevôlei. Ele não parou de jogar nem para assinar o novo contrato. Antes do Fluminense e do México, viveu seu último momento de brilho, com o título da Libertadores-2013.
Em Belo Horizonte, o jogador ganhou um outro "pai". Nos dois anos em que ficou no Atlético-MG, era assim que se referia ao então presidente Alexandre Kalil. Quando ensaiava se entregar a festas perto de jogos decisivos, o presidente dizia: "Você não pode fazer isso com seu pai!" Essa ligação com feições familiares devolveu parte da motivação que Ronaldinho havia esquecido na Espanha.
Felipão, que assumira a seleção no início de 2013, o convocou em duas ocasiões. Na última, ele se atrasou 25 minutos na apresentação em Belo Horizonte, antes do amistoso contra o Chile. Segundo um integrante da comissão técnica, aparentava ter bebido.
Depois disso, nunca mais esteve na seleção. Carlos Alberto Parreira, então coordenador técnico da equipe, nega que o atraso tenha o excluído das convocações posteriores. "Foi pela sua queda de rendimento", diz. Meses depois, foi Levir Culpi, do Atlético-MG, quem desistiu dele.
AUGE E QUEDA
Quando chegou à Catalunha, na temporada 2003-2004, o craque comandou a recuperação do time. "Existe um Barcelona antes dele e outro depois", afirma o ex-lateral Belletti, que dividiu o vestiário com o camisa 10. Em 2008, o Barça abriu mão do brasileiro, que foi para o Milan. Na Itália, teve altos e baixos e chegou a perder a vaga de titular do Milan e passou a ser figura rara nas convocações de Dunga, então técnico da seleção.
Perdeu a Copa de 2010, quando a explosão em arrancadas já não era vista. Lances como o que levaram torcedores do Real Madrid a aplaudir de pé o brasileiro após uma atuação magistral num dos clássicos de maior rivalidade do mundo– no 3 a 0 do Barcelona, em 2005– se tornaram raros. A técnica apurada nos passes ainda aparecia em lampejos, assim como cobranças de faltas perfeitas. Mas, aos 30, idade em que Pelé venceu uma Copa e Maradona foi vice na Itália, o gaúcho já era apenas um esboço do tinha sido.
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