segunda-feira, 11 de maio de 2009


MOACYR SCLIAR

O gato que roubava meias

Assim como os fetichistas humanos são fixados em sapatos de mulheres, Henry tinha fixação por meias

Britânicos tentam desvendar mistério de "gato ladrão de meias". Os donos de um gato com uma paixão por meias entregaram folhetos para os seus vizinhos na cidade de Loughborough, no centro do Reino Unido, para saber se eles perderam alguma meia.

O gato Henry, de um ano, levou para casa ao menos 57 meias desde que nasceu. Os donos querem saber agora se ele tem pegado as meias de varais dos vizinhos ou se tem entrado nas casas para roubá-las.

Henry pode ser visto constantemente sentado sobre um muro próximo à casa de seus donos com uma meia na boca. A dona, Louise Brandon, diz que até agora não conseguiu devolver as meias roubadas aos proprietários. "As pessoas devem estar comprando outras meias, porque agora Henry está vindo com peças novas para casa. É um pouco embaraçoso." Folha Online

REALMENTE era embaraçoso.

Todos os dias Henry voltava para casa trazendo uma meia apanhada ninguém sabia onde. Aparentemente fazia-o por gratidão, para retribuir a seus donos o bom tratamento que deles recebia. Mas era um presente incômodo.

O casal Brandon temia que um dia um vizinho irrompesse na casa deles, aos gritos, ameaçando denunciá-los à polícia. Mas devolver as ditas meias seria missão impossível, porque, como gatuno (gatuno mesmo), Henry era soberbo: não havia qualquer indicação acerca do lugar em que tinha praticado o furto.

"Por que vocês não ficam com as meias?", perguntou um parente, conhecido pelo cinismo. Proposta que o casal recusou indignado. Em primeiro lugar, aquilo equivaleria a uma verdadeira receptação de mercadorias roubadas; depois, Henry só trazia um pé de cada meia.

Os números variavam muito e além disso o gosto do bichano deixava a desejar: volta e meia (volta e meia mesmo) aparecia com carpins de cor roxa, ou furados, coisas assim.

Claro, poderiam se desembaraçar do gatinho; a verdade, porém, é que gostavam dele e pretendiam conservá-lo. Assim, resolveram tomar outra providência. Chamaram um terapeuta de felinos.

O homem veio, observou atentamente Henry (que bem naquele dia havia roubado mais uma meia) e fez seu diagnóstico: tratava-se de um gato fetichista. Assim como os fetichistas humanos são fixados em sapatos de mulheres, disse, Henry tinha fixação por meias. O prognóstico era bom: o gato provavelmente melhoraria quando encontrasse a gatinha de sua vida.

Era, portanto, questão de esperar, e os donos se dispuseram a fazê-lo. Aí ele sumiu. Desapareceu completamente, sem deixar vestígios. O casal suspeitou de que alguém o tinha roubado; mas por quê? Henry nada tinha de especial, era um gato absolutamente comum. Mistério, portanto, mistério completo.

Ultimamente coisas estranhas têm acontecido. Perto da tradicional loja de meias na rua principal uma outra loja, também de meias, foi aberta. O dono é um forasteiro, ao que parece parente distante do terapeuta de felinos. E está indo muito bem. Ao contrário do antigo vendedor de meias, cujo negócio vai de mal a pior.

É que as meias de sua loja estão sendo roubadas. O estoque já está quase em zero. Enquanto isso, o recém-chegado comerciante fica na porta de seu estabelecimento, cantarolando baixinho, numa voz fanhosa que parece um miado de gato.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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