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terça-feira, 5 de maio de 2009
05 de maio de 2009
N° 15960 - CLÁUDIO MORENO
As derradeiras palavras
Para um grego antigo, as derradeiras palavras que alguém pronunciava eram as mais importantes de toda sua vida. Em Troia, o guerreiro agonizante, suspenso por um breve instante entre o mundo humano e o divino, era ouvido com respeito por amigos e inimigos, pois sua fala tinha a autoridade de quem já entrevia o outro lado.
Homero, por exemplo, fez a lança de Aquiles atravessar o pescoço de Heitor sem atingir sua traqueia, a fim de que ainda pudesse dizer alguma coisa antes que a alma deixasse seu corpo.
O que aconteceu com Ulisses nunca mais se repetiu. Quando sua mãe morreu, ele estava tão longe que sequer pôde ser informado; há dez anos tinha deixado sua amada Ítaca para se juntar aos exércitos gregos, e desde então nunca mais tinha recebido notícias de casa.
Quando a guerra terminou, na sua longa viagem de volta, entre os muitos perigos que enfrentou, teve de descer ao mundo dos mortos para consultar Tirésias, o adivinho, sobre o seu futuro e o de sua família - e lá, no meio das sombras, avistou, aturdido, o espírito de Anticleia, que ele julgava ainda viva. Ela se aproximou, carinhosa, feliz de encontrar o filho assim, tão forte e saudável; Ulisses, contendo as lágrimas, quis saber que doença a tinha arrebatado.
“Não foi doença, querido. Senti falta demais de tua ternura e de tua vivacidade, e me deixei morrer. Volta logo para casa, que teu pai, tua mulher e teu filho te esperam ansiosamente”. Apesar da tristeza, Ulisses saiu dali agradecido aos deuses por terem permitido aquele encontro milagroso, sem o qual nunca teria colhido as últimas palavras da mãe e a bênção de seu olhar.
Fora da mitologia, o romano, povo prático, adquiriu o curioso (e assustador) hábito de usar o testamento para fixar as derradeiras palavras dirigidas aos que ficavam. Além de dispor de seus bens, o testador aproveitava a oportunidade para revelar seus verdadeiros sentimentos para com as outras pessoas, familiares ou não.
A leitura era pública e atraía um grande número de curiosos; como se pode imaginar, esses julgamentos póstumos podiam fazer ou destruir reputações, pois supunha-se que o autor, agora já fora de alcance, não mais teria a necessidade de esconder o que pensava. “Os romanos”, disse um grego rabugento, “só dizem a verdade depois que morrem”.
Alguns defendiam esse estranho costume como a preocupação legítima de um povo que, conhecendo muito bem a fragilidade da vida, procurava, pelo testamento, assegurar-se de que os outros haveriam de ouvir o que ele tinha a dizer.
Um filósofo irônico como Diógenes, no entanto, batendo o pó das sandálias, não deixaria de fazer a pergunta que até uma criança faria:
“Por que não disseram tudo isso antes que fosse tarde demais?”
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