sábado, 3 de novembro de 2007



03 de novembro de 2007
N° 15407 - A Cena Médica | Moacyr Scliar


Sono é desperdício? Não, sono é vida

Em New Jersey, nos Estados Unidos, visitei os famosos laboratórios de Thomas Edison em Menlo Park. Ali, estavam os instrumentos que usou trabalhando nas invenções que mudaram o mundo (o fonógrafo, por exemplo, precursor dos iPods).

Ali, estavam também seus livros e objetos diversos. Mas a coisa mais curiosa e surpreendente era uma pequena cama, colocada no meio mesmo da área de trabalho.

Ali, disse o guia que orientava a visita, Edison dormia um pouco, umas duas horas, mas somente quando estava muito fatigado. Em seguida, voltava ao trabalho. Para ele, sono era sinônimo de preguiça. Dormir muito seria tão prejudicial à saúde como comer muito.

Edison não foi a única pessoa de gênio a considerar o sono uma perda de tempo. Benjamin Franklin, político, intelectual, cientista, também era da mesma opinião.

A ele, são atribuídos ditos como "Raposa que dorme não pega a caça" e "Há bastante tempo para dormir - no túmulo", além do famoso e até hoje repetido "Early to bed and early to rise makes a man healthy, wealthy, and wise" ("Dormir cedo e acordar cedo faz um homem saudável, rico e sábio") - uma frase que o humorista James Thurber mudou para "Early to rise and early to bed, makes a man healthy and wealthy - and dead" ("Dormir cedo e acordar cedo faz um homem saudável, rico - e morto").

Outros que dormiam pouco, e por razões óbvias, eram Napoleão e Winston Churchill.

Para o poeta romano Virgílio, o sono é o irmão da morte, irmãos que, acrescenta o poeta americano William Hamilton Hayne (1856-1929), durante a noite, "dão-se suas estranhas e evanescentes mãos".

Ou seja: para pessoas que vêem no trabalho e na produtividade as prioridades da vida, as horas em que o sono nos desliga do mundo são absolutamente inúteis.

Será? Será que temos de subtrair de nossas vidas o tempo que passamos dormindo? Por mais que isso tenha parecido óbvio ao grande Edison, não é o que as pesquisas demonstram.

A falta de sono, seja pelo estresse cotidiano, seja por enfermidades várias, seja por medicamentos, é um distúrbio da saúde. E tem conseqüências. A pessoa fica menos alerta, menos atenta, sua memória e sua cognição são prejudicadas, a tensão emocional (não raro resultando em brigas e conflitos) aumenta.

Nos Estados Unidos, um estudo mostrou que a falta de sono causa cerca de 100 mil acidentes por ano, com 71 mil pessoas feridas e 1,5 mil mortos.

E a privação do sono também está associada com hipertensão, doença cardíaca, acidente vascular cerebral e obesidade - mostrando que Edison estava errado.

Dormir pouco não é o mesmo que comer pouco, ao contrário - Edison, aliás, também achava que exercício físico seria perda de tempo. Problemas de sono afetam cerca de um quarto da população americana - é, portanto, uma questão de saúde pública.

Dormindo, vivemos. E a melhor prova disso são os sonhos que se constituem, como mostrou Freud, numa forma de elaborar nossos problemas e nossas fantasias.

Durante o sono, nós nos transformamos em escritores, em cineastas: criamos personagens, inserimos esses personagens numa trama que, às vezes, nos parece absurda, mas que sempre tem um significado.

De fato, e ao contrário do que pensavam os antigos, o sonho não serve para adivinhar o futuro, como fez o José bíblico em relação aos sonhos do faraó.

O sonho serve para revelar a nossa face culta. E o sonho nos permite dormir. Com o que nos recuperamos e podemos acordar prontos para as tarefas do dia.

Temos de dar ao nosso cérebro o sono de que ele precisa. Ele nos retribuirá em criatividade, em produtividade e - por que não? - em felicidade.

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