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sexta-feira, 2 de novembro de 2007
02 de novembro de 2007
N° 15406 - David Coimbra
Duas Feiras do Livro
Uma vez, o Tio Patinhas disputou uma corrida do ouro contra seu arquiinimigo Patacôncio. Terminaram os dois no gelo do Alasca, batendo-se em trenós puxados por cachorros, sensacional. Tio Patinhas versus Patacôncio era que nem Gre-Nal - rivalidade eterna.
Tio Patinhas era dono do jornal A Patada, Patacôncio de A Patranha, ambos quaquilionários, ambos capitalistas selvagens, só poderia render uma grande história. Queria achar esse gibi em especial, fazia parte da minha coleção.
Eu, com sete, oito anos, acumulava gibis às centenas, estocados em caixas de papelão que dormiam debaixo da cama, atrás da porta, nos cantos do quarto, atravancando o trânsito da casa, enlouquecendo minha mãe.
Foi nessa época dos gibis que pisei pela primeira vez na Feira do Livro de Porto Alegre, levado pela mão do meu avô. Tinha a ambição de encontrar edições inéditas de Tintim e Asterix, minhas novas paixões gráficas.
Lembro bem daquela tarde, do sol pintando de amarelo as barraquinhas, eu e meu avô andando entre os corredores de livros, paredes de livros à esquerda e à direita, estendendo-se pela praça.
Lembro bem da sensação que tive, a mesma sensação que tenho ainda hoje quando entro numa livraria, numa biblioteca ou, a cada ano, quando volto à Feira. Todos aqueles livros. Todas aquelas histórias. Todo aquele conhecimento à disposição.
Percebi, naquela tarde de domingo, que havia um mundo inteiro a descobrir e a usufruir, muitas possibilidades, muitas perspectivas. As aventuras que aqueles livros narravam, as novidades, os pensamentos dos autores, as formas decerto originais com as quais descreviam a vida, aquilo estava ao meu alcance, em brochura ou capa dura.
Será que algum dia eu teria aqueles livros? Ou parte deles? Será que algum dia eu poderia consumir tudo aquilo que os escritores tinham para me dizer?
Foram revistinhas do Asterix e do Tintim que pedi para meu avô, naquele domingo, mas, ao sair da praça, havia essa impressão nova em mim. Sentia que um mundo adulto, cheio de cores e emoções, me esperava logo adiante.
Pena que as crianças estejam apartadas dos livros adultos na Feira do século 21, restritas que ficam às bordas do Guaíba, do outro lado da avenida.
Lógico que elas não vão ler um Dostoiévski ou um Balzac, mas é bom que saibam que eles existem, que manuseiem aqueles exemplares vetustos, destinados a quem sabe mais, a quem viveu mais, como elas um dia saberão e viverão.
Sei também que a Feira tem outras atribulações, questões de espaço, e tudo mais. Talvez por isso a Feira pudesse ser duas, em vez de uma. Quem sabe outra edição lá por abril ou maio, menor, menos ambiciosa, mais parecida com as primeiras?
Duas Feiras do Livro por ano. Feira do Livro para todo mundo, até para os amantes de gibis, até para os que ainda não entendem um Steinbeck, mas se emocionam com o Fantasma Que Anda. Não é um sonho? Não é uma idéia?
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