Quem nunca?
Espremeu a pasta de dente até ela confessar quem usou a sua escova.
Cortou o outro lado do tubo para o derradeiro esguicho da pasta na escova.
Abriu conserva de pepino ou de palmito sabendo que estava vencida e disse: "são apenas alguns dias, ninguém vai morrer".
Contou vantagem de ter comprado um carro seminovo, eufemismo para um veículo velho.
Pôs um adesivo no carro e se arrependeu na hora de tirar.
Esqueceu o forno aceso após servir o assado.
Avisou para uma visita não reparar na bagunça quando tudo estava fora do lugar.
Deixou uma última volta do papel higiênico somente para não trocar o rolo.
Comeu alimento que caiu no chão, aplicando a regra dos cinco segundos.
Misturou água com o restinho do xampu, chacoalhou e fingiu que estava novo.
Uniu restos de sabonete boiando no box do banheiro para formar um segundo sabonete Frankenstein.
Tentou remendar a tira das Havaianas com isqueiro.
Exagerou no desodorante pela culpa de ter cabulado o banho.
Requentou pedaço de pizza como café da manhã.
Postou uma selfie esquecendo o que havia no fundo da imagem.
Pregou um quadro para esconder as infiltrações da parede. Ou encheu a geladeira de ímãs para cobrir os arranhões.
Molhou com a língua a ponta dos dedos para virar as páginas das revistas.
Passou o dedo no chantilly de uma torta de aniversário.
Lambeu a tampa do iogurte.
Reutilizou o sachê do chá.
Colocou manta no sofá para disfarçar manchas e rasgos.
Carregou docinhos de uma festa enrolados em guardanapo, na bolsa ou no bolso do casaco.
Pulou de roupa na piscina da casa de um amigo.
Levou cerveja marca-diabo para um churrasco e só bebeu lá uma de melhor qualidade.
Inverteu as pilhas de lugar no controle remoto para ver se ele voltaria a funcionar.
Confundiu caipirosca com salada de frutas numa festa e ficou garfando os morangos.
Pediu para embrulhar sobras simbólicas da refeição em um restaurante avisando que era para o seu cachorro.
Repassou presentes que recebeu e não gostou no amigo-secreto da firma.
Coçou o ouvido com tampa da caneta Bic.
Entrou em bares ou lanchonetes somente para ir ao banheiro e não consumiu nada.
Saiu de casa com meia e chinelo, acreditando que logo voltaria. Encontrou seu chefe no caminho.
Mentiu que não foi você que devorou a última fatia do pudim na geladeira (apesar da consciência de que não era sua).
Você pode achar que isso é o cúmulo da pobreza, mas é o apogeu da espontaneidade.
Se não se identificou com nenhum item da lista, ainda não aproveitou a simplicidade desconcertante da existência, feita de singelos e perdoáveis pecados.
São transgressões aceitáveis da melhor vivência, muito além da sobrevivência.
Sofre do medo de desagradar. Tampouco descobriu que viver é um permanente vexame.