Unificação do país
Não é o presidente eleito que pode unificar o Brasil, mas o outro candidato, quando ele aceita a derrota e telefona para o oponente parabenizando-o pela vitória. Esse protocolo de cordialidade acalma a militância, desfaz qualquer fantasma de contrariedade com o resultado, garante a obediência à Constituição.
Jair Bolsonaro, que tentava a sua reeleição, ainda não se posicionou sobre o pleito, ainda não rubricou a escolha da maioria, ainda não deu um discurso para formalizar o fim do mandato em dezembro e agradecer aos apoiadores, como é de praxe, como é a tradição.
Sua retirada de cena parece seguir a cartilha do estrategista do ex-presidente americano Donald Trump, Steve Bannon, de boicote às urnas - Bannon foi recentemente condenado a quatro meses de prisão por desacatar o comitê do Congresso que investiga a invasão ao Capitólio.
Os ataques e críticas pesadas devem ser restritos à disputa, jamais prosseguindo num terceiro turno simbólico. É o momento da pacificação do conflito, da civilidade, da educação.
O reconhecimento da apuração final pela parte derrotada permite a prudente transição entre os governos e o cumprimento de prazos. Sem isso, a transferência da faixa presidencial torna-se traumática e pode desencadear greves e paralisações de seguidores insatisfeitos.
Ontem, caminhoneiros apoiadores do presidente já fecharam trechos de estradas em vários Estados, incluindo Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Pedem uma absurda intervenção militar, aproveitando as luzes apagadas do Palácio do Planalto.
Nessa hora, quem cala consente com os tumultos. O silêncio do candidato derrotado é rastilho de pólvora. Insinua um descontentamento com os trâmites legais do TSE, abre espaço para levantes e hiatos de violência.
As regras eleitorais não valem somente em caso de vitória. Se fosse assim, seria como aquela odiosa figura da nossa infância: a criança dona da bola, que suspende o jogo entre os seus colegas na medida em que o placar é adverso.
Pela manutenção da liberdade e pela prevenção contra ditaduras, Bolsonaro não tem outra opção senão acolher o sufrágio dos brasileiros. Até porque 46% dos eleitores não queriam Lula de jeito nenhum e 50% não o queriam de jeito nenhum. São duas rejeições monstruosas, que merecem a sua mediação.
A ausência de manifestação do presidente deixará no ar o medo de um golpe, e não cicatrizaremos a divisão litigiosa do país. O Brasil está cindido, fraturado, desde que Aécio não aceitou a derrota para Dilma em 2014. Aquele mau exemplo vem custando caro para a democracia.
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