quarta-feira, 1 de abril de 2020


01 DE ABRIL DE 2020

NÍLSON SOUZA

Maria Joaquina

Nas suas andanças pelo pátio durante o isolamento, minha mulher descobriu um casulo estranho numa pequena árvore do jardim. Apesar de seu conhecimento prático das coisas do campo, surpreendeu-se com o formato da bolota de pequenos gravetos, que destoava completamente do verde do arbusto. Me chamou para ver:

- Olha só para isso! Tem um bicho aí dentro.

Passamos a observar com atenção e cuidado aquela vida reclusa. Já no segundo dia, percebemos que o casulo estava em outro galho. Então foi possível ver a cabecinha da lagarta comendo vorazmente na sua marcha lenta de acumular energia para a transformação.

- Isso sim é que é confinamento! - pensei, antes mesmo de saber que o processo de metamorfose pode durar até um ano.

Descobri mais na minha pesquisa e nas minhas leituras. Com os humanos condenados temporariamente à prisão domiciliar, os demais seres vivos da natureza começam a recuperar seus espaços. Há registros nesses últimos dias de pássaros cantando alegremente por toda parte, javalis andando por cidades da Europa e até golfinhos aparecendo em praias que não frequentavam. Outro dia, um puma selvagem caminhou tranquilamente pelas ruas desertas de Santiago, no Chile.

Sem a presença humana e sem os ruídos da civilização, os animais retraídos reaparecem, estimulados também pela despoluição temporária do ar e das águas, resultante da paralisação de fábricas e da redução do tráfego de carros, navios e aviões.

Essa parada planetária também está possibilitando ao ser humano perceber o quanto depende da natureza. Nossa lagarta ganhou até nome, depois que minha mulher enviou uma imagem dela para seu grupo de amigos.

- Maria Joaquina! - sugeriu a madrinha informal do bichinho.

Temos convicção de que, logo, logo, Maria Joaquina romperá o seu isolamento natural e se transformará numa bela borboleta, para visitar flores, encantar o planeta e perpetuar sua espécie. Do mesmo modo, acredito que logo, logo, sairemos desta experiência dolorosa e desafiadora, quem sabe também transformados em seres mais fraternos, mais compreensivos e mais integrados à natureza.

NÍLSON SOUZA

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