quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020


26 DE FEVEREIRO DE 2020
NÍLSON SOUZA

O país na retroescavadeira

Li num desses espaços esotéricos que sonhar com retroescavadeira significa que você está sendo empurrado para longe de suas metas ou desviado do caminho que conduz aos seus objetivos. Nunca tive esse tipo de sonho. O mais perto que cheguei disso foi sonhar que estava dirigindo uma velha Rural Willys, que foi o meu primeiro carro. Tinha o para-choque dianteiro semelhante a um trilho de trem, mas era uma viatura simpática demais para ser utilizada como "panzer", que é a abreviatura de Panzerkampfwagen - em bom alemão, veículo blindado de combate. Para nosotros, simplesmente tanque de guerra.

Pois às vezes parece mesmo que estamos em guerra. Aquela cena surreal do senador cearense acelerando a retro contra um portão lotado de policiais amotinados, que reagiram e meteram bala nele, não deixa de ser uma caricatura trágica e realista do Brasil atual. O país anda parecendo uma retroescavadeira desgovernada. As pessoas brigam no trânsito e sacam armas. Desentendimentos amorosos geram agressões, disputas virulentas, até crimes. Em contraponto à disseminação do não é não, o feminicídio dispara. Na política, nas redes sociais e, com frequência, até no almoço familiar de domingo, as escaramuças e as rupturas se tornam rotineiras.

Diálogo e Tolerância, alguém sabe onde esses dois cidadãos civilizados foram parar? Como no sonho interpretado, o Brasil parece estar sendo empurrado para longe de suas metas de paz e dignidade - pelo autoritarismo, pela truculência, pela ganância e pela corrupção. E até pelo desvio de função de equipamentos criados para facilitar a nossa vida.

A retroescavadeira é uma máquina valiosa para a construção civil e para a agricultura. Na verdade, é um trator equipado com uma caçamba na frente e outra atrás, uma na forma de concha e a outra de pá. Serve para carregar materiais, para limpeza urbana, para a abertura de valas e para outros serviços pesados. Não deveria servir para manifestações políticas e truculências, como se viu no deplorável episódio de Sobral.

Já a Rural Willys serve para despertar a saudade da juventude e para o Iotti nos fazer rir com as aventuras do Radicci ao volante de sua valente máquina. No estágio de hostilidade em que nos encontramos, só o humor salva.

NÍLSON SOUZA

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