sábado, 15 de fevereiro de 2020


15 DE FEVEREIRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

RASTEIRAS NO PALÁCIO


O jeito Jair Bolsonaro de conduzir sua equipe é uma linha de montagem de intrigas que atrapalham constantemente o bom funcionamento da máquina pública e, por via de consequência, produzem desnecessário atrito para a recuperação econômica do país. O episódio de esvaziamento e fritura progressivas de dois ministros gaúchos, Onyx Lorenzoni e Osmar Terra, revela mais uma vez que o presidente desconhece princípios elementares de gestão. Sem perfil para unir e motivar equipes e contagiado pela familiocracia que se instalou em Brasília, Bolsonaro deixa que o Palácio do Planalto, por natureza um ambiente de maledicências, torne-se uma central de rasteiras na qual a disputa pela ascendência sobre o presidente sobressai diante dos interesses mais amplos do país.

Seria injusto atribuir-se essa inabilidade de Bolsonaro à sua formação militar. Nas últimas décadas, as Forças Armadas vêm incorporando instrumentos de gestão de equipes, monitoração de metas e motivação de pessoal em paralelo ao modelo de muitas corporações privadas. O problema central se deve ao fato de o presidente ter transportado para o Executivo o mesmo estilo de seu gabinete de deputado, onde por 28 anos de rarefeita produção parlamentar as métricas de avaliação se resumiam à amizade e lealdade cega à visão do chefe.

Ao desconfiar daqueles que o cercam, silenciar questionamentos, por mais sensatos que sejam, e frequentemente humilhar colaboradores com luz própria, Bolsonaro age com um estilo imperial ultrapassado e ineficaz. Em contrapartida, ao prestigiar aqueles que se mostram mais fiéis à figura do presidente, deixa implícito que bajulação e obediência monolítica são razões para valorização, no lugar do que deveria ser uma meritocracia na defesa dos interesses nacionais.

Uma amostra do estilo rude e anacrônico de fritar colaboradores ao vivo já havia sido testemunhada pelo país nas saídas do ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno e do general Carlos Alberto Santa Cruz, ex-secretário de governo. Pelo ritual, o chefe da nação drena gradativamente o poder do ministro, puxa - ou tolera que puxem - suas orelhas em público e atribui a fake news os rumores de demissão que pipocam na imprensa, para então, já num clima de esgarçamento, forçar a saída do colaborador desgastado.

Esse jeitão faz a alegria das falanges bolsonaristas nas redes sociais, que vibram com falas toscas e carimbam vozes de dissensões, corriqueiras em uma democracia, como inimigos a serem aniquilados. Na prática, o modelo cria desavenças inúteis, nutre adversários imaginários ou não e redunda em um ambiente no qual, por medo de cair em desgraça, alguns dos escalões mais altos do país, que deveriam estar focados na busca de soluções, murmuram lamentos sobre o presidente e reclamam da influência de seus filhos pelos cantos.

A militarização do Palácio pode fazer brotar alguns sinais de mais sensatez e disciplina na gestão, mas não é o recomendável para se governar um país com enorme diversidade e divergência de pensamentos, além da constante necessidade de negociações com outros poderes e setores da sociedade. Os próximos meses demonstrarão, para o bem ou para o mal, os resultados dessa escolha do presidente.

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