sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020



21 DE FEVEREIRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

Anarquia no Ceará

O delirante e tresloucado gesto do senador licenciado Cid Gomes de avançar com uma retroescavadeira sobre o portão de um quartel da polícia militar amotinado em Sobral teve ao menos um efeito colateral: alertar o país para a inaceitável e ilegal quebra da hierarquia militar em curso no Ceará e para o risco de, às vésperas do Carnaval, se espalhar para outras cidades e Estados. A baderna em Sobral e outros municípios cearenses teve, nos últimos dias, imagens sem paralelo na história recente: além do levante no 18º BPM, policiais mascarados desfilavam com viaturas militares ordenando o fechamento do comércio e, na Grande Fortaleza, quatro unidades foram atacadas por grupos encapuzados, enquanto veículos oficiais tiveram pneus furados ou rasgados.

Policiais militares têm bônus mas também ônus pela circunstância de envergarem um uniforme militar. Seguem, por exemplo, um estatuto próprio que os impede de fazer greve e pune severamente - ou deveria punir - servidores fardados que organizam e se levantam contra ordens superiores, o chamado motim. O senador licenciado agiu com a irresponsabilidade, a impetuosidade e o coronelismo com que é conhecido, além de não ter qualquer autoridade, formal ou não, sobre os amotinados de Sobral. Esse desvario, no entanto, em nenhum momento exime os militares envolvidos na insurreição de sofrerem sanções exemplares. Devem ser presos, julgados e condenados pelo ato de sublevação.

Todos os Estados brasileiros mantêm forças policiais com caráter militar, o que não é um padrão em alguns países, como os Estados Unidos e o Reino Unido. No Brasil, a Constituição prevê essa formulação de segurança em seu Artigo 144. Sejam quais forem, forças militares devem se comportar como poder armado e, como tal, jamais sequer ameaçar ou chantagear os comandos e as autoridades aos quais estão subordinadas. Caso algum servidor não aceite tal condição, que pressupõe normas morais e legais específicas, além do princípio basilar da hierarquia, deve deixar a farda e seguir uma carreira civil.

O levante de Sobral não ocorreu por combustão espontânea. Ele é resultado de uma crescente politização da polícia militar cearense - um deputado federal pelo PROS, o Capitão Wagner, que incentiva os grevistas, é forte candidato à prefeitura de Fortaleza, entre outros políticos e interesses que financiam ações nos quartéis. O motim também decorre da leniência com que assembleias legislativas e alguns governos têm tratado movimentos similares, como a greve da polícia militar que deixou o Espírito Santo à mercê da bandidagem por cerca de três semanas em 2017, legando mais de 200 pessoas mortas. Tivessem os líderes dos amotinados capixabas perdido as patentes e os vencimentos, dificilmente se repetiriam aventuras como a cearense e outras que ameaçam sobressaltar diferentes Estados.

Felizmente, o governo federal, por intermédio do ministro da Justiça, Sergio Moro, não titubeou em colaborar para restabelecer a tranquilidade no Ceará, acionando a Polícia Federal e despachando cerca de 300 membros da Guarda Nacional para o Estado. Simultaneamente, em rasgo de bom senso, o quartel de Sobral foi retomado pelas forças de segurança, enquanto uma CPI será instalada na Assembleia cearense para investigar o financiamento e as motivações políticas de associações de servidores militares.

OPINIÃO DA RBS

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