sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020



28 DE FEVEREIRO DE 2020
ARTIGOS

O controle da força

Temerosos pelo que havia ocorrido durante a Revolução Francesa (quando a polícia francesa abasteceu a guilhotina tanto durante o terror jacobino quanto no bonapartismo), os nobres e os trabalhadores na Inglaterra rejeitaram sete vezes a criação de uma polícia estatal no início do século 19. A medida só foi aprovada em 1829, quando Robert Peel levou ao parlamento uma proposta que garantia que a força jamais seria usada politicamente e que a violência seria reduzida por meio da proximidade dos policiais com suas comunidades. Esse é considerado o nascimento das polícias democráticas modernas, por prever forte controle institucional, blindagem contra a influência partidária, obrigação de prestação de contas, decisões tecnicamente fundamentadas e uma concepção de proteção e não de guerra social.

A crise no Ceará não é mera consequência do momento político atual do país. Ao contrário, foi a incapacidade dos governos democráticos de todos os espectros políticos pós-1988 de avançarem na construção de uma segurança pública alinhada à concepção moderna de uso e controle da força e adesão aos valores democráticos que nos fez chegar à situação política atual, em que a segurança se tornou a moeda mais valorizada pelo populismo.

As mais de 60 greves das polícias brasileiras e a crescente letalidade policial em alguns Estados são sintomas da radicalização ideológica do debate sobre segurança pública. As anistias "gerais e irrestritas", sem responsabilização nem reformas institucionais, promoveram a impunidade. A não garantia do direito de greve jogou o movimento das categorias na clandestinidade e abriu espaço para lideranças radicalizadas. O não enfrentamento do discurso de que "bandido bom é bandido morto" - que deixou a porta aberta para a formação de milícias - e a manutenção de promoções por indicação política foram fatores que alimentaram essa engrenagem de politização das polícias.

A segurança pública deveria estar resguardada do embate político-ideológico e ser pautada pelas evidências científicas sobre o que funciona para reduzir a violência. Nas democracias, o tema do uso da força sempre deve ser uma prioridade, sob pena de que a força retome o controle.

ALBERTO KOPITTKE - Diretor do Instituto Cidade Segura | 

Nenhum comentário: