07 DE ABRIL DE 2020
CARPINEJAR
A vela da família
Sempre alguém de casa é a vela. A chama da fé. O fogo da crença. Não importa que os outros não pratiquem a religião, não acreditem em Deus, duvidem de milagres, desdenhem da ressurreição, há alguém na família que rezará por todos.
Sempre haverá alguém fazendo vigília enquanto os demais vivem a inconsciência de seus atos, alguém cumprindo promessas das graças alcançadas e nunca noticiadas, alguém no escuro dos olhos fechados pela claridade dos seus afetos, alguém protegendo a brasa da confiança com a concha das mãos.
Minha mãe é a cera e o pavio queimando pelos filhos e os netos. Ela é a sarça ardente, a oração interminável, a guardiã do nosso futuro, a nossa advogada da transcendência, efetuando acordos, garantindo atenuantes e entrando com liminares para diminuir os nossos pecados.
De noite, ela encomenda saúde para nós, pede proteção, estabelece os turnos dos anjos de acordo com os problemas de cada um.
Ela é a provedora religiosa, aquela que põe comida na mesa da alma, que inspira a seguir quando estamos próximos da desistência, que diz que uma janela foi fechada para que se abra uma porta, que anuncia o sol no meio da tempestade, que sossega o medo com a esperança.
Dobra os joelhos para que fiquemos de pé, beija o chão para que possamos passar.
Entra em sua súplica inclusive quem se mostra raivoso e brigado, quem não quer conversa, quem se mantém afastado e emburrado. Não há privilégios e vaidades pessoais na sua devoção.
Realiza sacrifícios e renúncias silenciosamente, privando-se do que mais gosta ou atravessando longas escadarias apesar dos 80 anos. Nunca saberemos o que se comprometeu em troca. Tem invioláveis segredos com o céu.
Ela nos abençoa coletivamente, independentemente de nossa cabeça baixa e de nossas ideologias.
Não solicita nenhuma retribuição, não procura obter vantagens e recompensas. Põe o nome por extenso dos beneficiados dentro da força do seu pensamento.
Tampouco pergunta se desejamos algo, se precisamos de uma façanha do espírito, ela está bem informada sobre por onde anda o coração de sua prole. Dita e envia as cartas para o invisível, com a sua voz sussurrada.
Permanecemos tranquilos porque ela nos guarda.
Hoje me acordei tenso, preocupado, aflito: e quem reza pela mãe?
CARPINEJAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário