25 DE ABRIL DE 2020
CLAUDIA TAJES
Muita calma nessa hora
Marcel Souto Maior é um amigo roteirista, uma das pessoas mais tranquilas e gentis do mundo. No ambiente nem sempre amistoso da TV, nas horas em que o bicho pegava, era sempre bom olhar para o Marcel e ver que ele não só não tinha perdido a cabeça, como ainda conseguia botar as ideias dos mais desesperados no lugar.
Depois de um fim de semana ruim, com as imagens lamentáveis de dois brutamontes distribuindo pancadas naquela manifestação - equivocada por qualquer ângulo, desde o desrespeito ao distanciamento social até os pedidos de fechamento do Congresso e do STF -, chegou esse texto do Marcel. Uma delicadeza antiviolência.
Para quem, não sem assombro, assiste de dentro de casa aos desmandos e desvarios dos nossos dias, segue o texto do Marcel Souto Maior. O título, como não poderia deixar de ser, é Calma:
Calma, porque no quintal lá fora os pássaros usam o pote d?água dos cachorros para se banhar.
Calma, porque tem sobrado mais tempo para misturar temperos, errar e acertar nas panelas e frigideiras das refeições em família, e nunca falta sal.
Calma, porque verdades incômodas têm vindo à tona, pelo mundo afora, e todas têm a ver com uma instrução secreta impressa em nossas peles: "Cuidado, frágil."
Calma, porque livres do alvoroço dos visitantes, ursos pandas do zoológico do Japão conseguiram acasalar pela primeira vez em 10 anos.
Calma, porque nesta semana uma fotógrafa registrou um longo arco-íris horizontal nos céus de Washington, e outra flagrou corpos seminus, na fachada do prédio em frente, invisíveis uns aos outros, mas unidos em torno do mesmo objetivo: o de captar o sol à beira das janelas.
Calma, porque a Terra tem emitido murmúrios antes inaudíveis, atribuídos a fake news ou a delírio coletivo. Verdade ou não, o melhor é prestar atenção.
Calma, porque o governo que abomina expressões como "vulnerabilidade social" e "desigualdade econômica" teve de fazer as contas de quantos brasileiros deverão receber auxílio emergencial e reconhecer a ordem de grandeza deste contingente: 100 milhões!
Calma, porque conceitos antigos que pareciam extintos na pseudoera da Globalização têm emergido das sombras com a força dos fatos: no fechamento das fronteiras, a prova de que ainda somos divididos entre "nós e os outros" e, nos vagões lotados do transporte público, o retrato da desigualdade entre os que podem e os que não podem ficar em casa.
Calma, porque o real significado de slogans como America First revela-se imperativo em ações como o confisco de máscaras e respiradores destinados a outras nações.
Calma, porque, no escuro, sempre podem surgir iluminações.
Calma, por que pressa para quê?
Calma, porque um mundo novo sempre pode surgir nos escombros da desconstrução.
Calma, porque nas leituras do dia a dia, sempre dá para tropeçar em frases como esta: "É que um mundo todo vivo tem a força de um inferno" (Clarice Lispector). Um mundo em carne viva. É o que temos.
Calma, porque hoje, excepcionalmente, não há dia útil. Ou é o contrário?
Calma, porque os cães nunca passaram tanto tempo com seus humanos. E isto é bom.
Calma, porque o imprevisível derrotou o planejado, o impossível venceu o inevitável e, até segunda ordem, ficam revogadas todas as projeções em contrário.
Agora imagine que o dia foi bom, ou nem tanto, e deu aquela vontade de tomar um drinque. Happy hour em casa, é o que temos por enquanto. Então olha a ideia do Otro Bar, que os dois jovens sócios Jaime e Carlo inauguraram na Rua Vasco da Gama pouco antes do distanciamento social entrar em vigor. O cliente consulta a carta de drinques autorais e os guris mandam as doses junto com as instruções de como fazer. E tendo a dupla passado pela cozinha do D.O.M., o restaurante do chef Alex Atala, em São Paulo, não faltam opções no cardápio, que mistura cozinha brasileira com asiática. Tudo lá no Instagram @otro.bar.
CLAUDIA TAJES
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