segunda-feira, 27 de abril de 2020


27 DE ABRIL DE 2020
DAVID COIMBRA

Nossas avós tinham razão


A verdade é que a ciência tem me decepcionado no combate à peste do coronavírus. O que os cientistas dizem para nós, basicamente, são duas coisas:

Lave as mãos. Fique em casa.

São recomendações que a minha avó, dona Dina, faria, se estivesse viva nestes tempos estranhos. Já sei até qual será a próxima recomendação da ciência, quando enfim estivermos saindo do isolamento:

"Leva um casaquinho!".

Repare num pequeno poema que circulava entre a população em meio à gripe espanhola, em 1918:

"Perdigotos - Que perigo!

Se estás resfriado, amigo,

Não chegues perto de mim.

Sou fraco, digo o que penso.

Quando tossir, use o lenço

E, também, se der atchim.

Corrimãos, trincos, dinheiro

São de germes um viveiro

E o da gripe mais frequente.

Não pegá-los, impossível.

Mas há remédio infalível,

Lave as mãos constantemente.

Se da gripe quer livrar-se

Arranje um jeito e disfarce,

Evite o aperto de mão.

Mas se vexado consente,

Lave as mãos frequentemente. Com bastante água e sabão. Da gripe já está curado? Bem, mas não queira, apressado,

Voltar à vida normal. Consolide bem a cura, Senão você, criatura, Recai e propaga o mal."

"Lavar as mãos." "Usar lenços." "Não tentar voltar à vida normal antes do tempo." Providências velhas de cem anos, e ainda válidas. Minha avó sabia muito.

Houve um vilarejo português que atravessou incólume aquela pandemia, de 1918. Foi a Freguesia de Amieiro, engastada num doce vale ao norte da pátria-mãe.

Amieiro, que nem existe mais com esse nome, tornou-se conhecida como "a terra em que não morreu ninguém". De fato, caía gente em toda a volta da cidadezinha, mas seus habitantes nem infectados foram.

Por quê? O que Amieiro tinha, que a salvou da peste? Segundo seus habitantes, que eram cerca de 500, o segredo do lugarejo era o fogo. Ou, antes, as fogueiras.

Durante o dia, cada morador saía pelos campos do entorno e reunia todo tipo de ervas aromáticas, como o alecrim, o zimbro, o trovisco, o pinho. Eram formadas ramas dessas plantas e deixadas ao sol. No fim da tarde, badalava o sino da igreja - era o sinal para que todos os moradores ateassem fogo aos ramos de ervas, que eram colocados diante das casas. Amieiro ficava completamente tomada pela fumaça cheirosa por horas e os moradores se sentiam protegidos como se estivessem debaixo do manto de Nossa Senhora.

Será que o vírus tem medo da fumaça e do odor de ervas boas? Mais um trabalho de investigação para os cientistas.

Mas há outra possível razão do sucesso de Amieiro: sua localização geográfica. Cercada por sete colinas, como Roma, a cidade gozava de uma espécie de isolamento natural do mundo exterior. Assim, manteve-se a salvo das más influências e dos maus fluidos.

De toda maneira, li que agora, nesta nossa época de vírus novo e insidioso, os habitantes da região estão imitando seus antepassados e acendendo fogueiras diante de suas casas, como prevenção. Acho uma boa ideia. Afinal, nossas avós tinham razão. E quem diz não sou eu, um saudoso neto: é a ciência.

DAVID COIMBRA

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