sábado, 25 de abril de 2020



25 DE ABRIL DE 2020
COM A PALAVRA

O CUIDADO COM A SAÚDE SERÁ A MARCA DAS EMPRESAS NA RETOMADA.

MARIANA ALDRIGUI, PESQUISADORA DA ÁREA DO TURISMO, 44 anos Professora da Universidade de São Paulo (USP), foi eleita uma das cem personalidades mais influentes da área no Brasil pela Panrotas

Os milhares de turistas tentando voltar aos seus países de origem desde o início deste 2020 pandêmico, retidos em navios, hotéis e aeroportos, foram a face mais visível de um setor atingido em cheio pelo coronavírus. Responsável por 10,3% do PIB global em 2019 (US$ 8,9 trilhões) e por 330 milhões de empregos (um em cada 10 empregos no mundo, conforme o Conselho Mundial de Viagens e Turismo, WTTC), o turismo mundial, ainda em meio à crise, também tenta encontrar formas de sair desta barafunda em que estamos todos metidos. 

Quais serão os impactos nas viagens e nos empregos? Como recuperar a confiança e atrair os viajantes? São perguntas que geram debates entre especialistas como Mariana Aldrigui, pesquisadora e professora na área de Turismo na Universidade de São Paulo (USP) desde 2006 e orientadora de projetos ligados ao desenvolvimento do turismo brasileiro. Mariana também preside o Conselho de Turismo da FecomercioSP e coordena as ações da ONG Global Travel & Tourism Partnership no Brasil. A seguir, alguns desses questionamentos são comentados e respondidos por ela.

COMO DEVEM SER AS VIAGENS PÓS-PANDEMIA? O QUE PODE MUDAR?

Participo de uma série de fóruns internacionais, e um deles está focado na retomada das viagens na China, e o que já se percebe por lá é que não houve mudanças. Os chineses já voltaram a viajar de trem e de avião e a se aglomerar nos pontos turísticos da mesma forma que antes. O que, para nós, pesquisadores, era uma coisa que parecia certa, que as pessoas seriam mais cautelosas, acabou não se manifestando neste momento. Como no Brasil a gente está na terceira ou quarta onda do vírus - vieram as informações primeiro da China, depois de Europa e dos EUA -, o que estamos discutindo é o seguinte: primeiro, haverá a retomada do turismo doméstico não organizado, que não precisa de intermediação, como a visita a parentes e amigos, a realização de uma satisfação imediata, como ir ver o mar, ter contato com a natureza... 

Internacionalmente, o que os especialistas falam é sobre mudanças como uma já produzida pela Emirates (companhia aérea), por exemplo, que colocou checagem de temperatura e teste rápido para todos os passageiros do aeroporto sede deles. O cuidado com a saúde e atestar a segurança do passageiro será a marca das empresas na retomada. No Brasil, a mesma coisa: não basta colocar o recipiente de álcool gel, vai ser preciso garantir que a pessoa não está em risco. Turismo não é só a vontade de viajar, especialmente no turismo internacional. Tem a ver com a relação entre os países, e isso não vai ser retomado tão facilmente. 

Mesmo se amanhã nosso presidente liberar todo mundo para trabalhar, tendo dinheiro ou não, não adianta, os brasileiros não vão poder voar para a Europa, por exemplo. Os locais de destino precisam receber esse público. No caso do Brasil, estamos com a imagem corroída e, se formos vistos como um público consumidor que é uma ameaça para o mundo, porque não está testado o suficiente ou ainda pode haver vírus, não adianta ter a operação funcionando e ter dinheiro: não seremos bem-vindos. Uma consequência óbvia e fácil de perceber vai ser a mudança nos procedimentos, mas, num primeiro momento, os turistas não vão deixar de desejar viajar. Pode ser que aceitem pagar mais para garantir determinado acesso à segurança, restrinjam o tempo de viagem ou mudem a forma de visitar alguns lugares. A própria gestão dos locais vai evitar aglomerações.

o turismo é uma das áreas mais atingidas, com perdas bilionárias no mundo inteiro, mas não se vê muita gente falando em investimentos no setor pós-pandemia. Quem está mais preocupado?

Todos os envolvidos direta ou indiretamene com o setor estão preocupados. Dados do WTTC (Conselho Mundial de Viagens e Turismo) apontavam, até o final de 2019, que um a cada 10 empregos no mundo tinha relação com o turismo. Há uma preocupação imensa. Há países em que a dependência do turismo é grande. No Brasil, essa dependência não é tão perceptível porque aqui sempre se misturam dados: restaurantes se reportam ao setor de alimentação, carro por aplicativo ou táxi ao setor de transporte... Mas os empresários do setor estão preocupados, os empregados idem e alguns gestores que têm compreensão do efeitos. Houve um aporte significativo de recursos do governo nas companhias aéreas, até porque a manutenção da conectividade é fundamental para trocas comerciais, equipamentos de saúde, correspondências... Essa preocupação é setorial, e o futuro vai depender de como os representantes conseguirem ter seus pleitos e suas demandas ouvidos e atendidos.

Tem como estimar o prejuízo, no brasil e no mundo, com a crise? Quantos hotéis fecharão, quantas demissões haverá no setor?

As estimativas são as mais diferentes. Já se falou numa perda aproximada de R$ 4 bilhões no Brasil (dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) só nos primeiros 30 dias de isolamento. Fala-se em prejuízo menor e também maior. Mesmo que se tenha um número no Brasil, para o momento ele é subdimensionado, porque só vai levar em conta transporte e hospedagem e não vai considerar o impacto daqueles, entre outros, que viajam de carro para destinos próximos.

À medida que o comércio é reaberto, as pessoas voltarão às compras logo, mas o turismo não terá uma volta imediata: requer planejamento dos viajantes. Qual a estratégia para atraí-los?

Não se pode ignorar o quanto esse tempo de confinamento vai nos levar a repensar a alocação de gastos. No monitoramento das redes sociais, se percebe uma fala das pessoas de dar menos valor à posse e mais valor a vivências e experiências. Algo na linha de "vai que a gente morre ou vai que e isso aconteça de novo, então deixa eu aproveitar e fazer coisas legais". São sempre fotos de um momento e, talvez na hora que seja liberada a circulação, se apaguem todos esses desejos e se volte ao que era nosso consumo tradicional. Mas eu aposto, por essas falas, que teremos uma surpresa muito positiva, com o volume de pessoas interessadas em fazer turismo. Vai haver a valorização do fato de estar mais com amigos e familiares em lugares bonitos, interessantes para se guardar na memória.

Que efeito essa experiência deve ter sobre o overtourism? Será que governos terão de limitar o acesso, como já ensaiavam fazer em cidades como Barcelona, Veneza e Amsterdã?

A questão é qual turismo eles vão aceitar. Para Veneza, por exemplo, o turismo massificado dos navios é muito importante para a retomada da economia rapidamente - a cada navio descem 3 mil pessoas, enquanto de um avião são 200. A cidade é hoje praticamente um museu, mora na ilha principal só quem tem negócio, a população se mudou para outros pontos ou porque se sentiu incomodada ou porque ficou caro demais. Pode até haver o grito de ambientalistas ou de pessoas responsáveis, mas quem toma as decisões é quem está vinculado à exploração comercial. 

Eu espero que isso até mude, tendo visto a recuperação ambiental, a qualidade do ar, a possibilidade de preservação, quem sabe imbuídos de uma ideia de "vamos cobrar um pouco mais para selecionar volume, selecionar público". Mas não sei se teremos esse nível de evolução. Amsterdã e Barcelona se promoveram muito, com dinheiro público inclusive, e não mediram as consequências do que é ter essa promoção bem-sucedida. São três casos de sucesso de promoção e posicionamento sem uma política de contingência. Eu adoraria que houvesse uma reversão, mas depende de força política. Sem contar também que turista tem memória curta.

Que segmentos ou países, após a crise estar sanada, podem ser beneficiados do ponto de vista turístico? Alguns sairão com a imagem arranhada?

O que se tem falado muito é sobre quem conseguiu se ressignificar e trabalhar sua imagem. Companhias aéreas reduziram seus voos (no Brasil, em mais de 90%), com prejuízos milionários, mas estão transportando equipamentos e equipes médicas e, obviamente, fazendo uma divulgação disso. Muitas redes hoteleiras também estão dando suporte ou alojando equipes médicas, colaborando com alimentação etc. Muitos hotéis e hoteleiros que monitoro estão pressionando para a volta das atividades, mas, eu pergunto, de onde virão as pessoas para se hospedar? 

Não basta acabar com a quarentena. Quem se destaca neste momento é quem consegue dar sentido a sua operação mesmo fazendo um ajuste, como as fábricas que se ajustaram para fazer respiradores ou máscaras. Há muitos destinos e muitos produtos pensando em campanhas para além do "não cancele, adie". Já existem campanhas promocionais para o final do ano, para o ano que vem. Ninguém se arrisca a promover junho e julho, porque está tudo muito incerto, mas, a partir de setembro, há muita propaganda de viagens com preços convidativos. Quem sair do isolamento com recursos disponíveis vai ter chance de fazer viagens mais baratas do que fez nos últimos anos. Os preços vão começar bem baixos, para depois ir subindo e retomando um ponto de equilíbrio razoável.

Haverá consequências diferentes sobre o turista comum e sobre aquele que busca experiências diferentes ou lugares inusitados?

Não dá para pensar no turista comum como um tipo só. O turismo foi o setor mais afetado nessa crise não só pela questão financeira, mas por conta da conectividade e da globalização. Uma consequência imediata pós-pandemia é que, na retração da renda familiar, uma primeira despesa eliminada vai ser a despesa com turismo. Ninguém vai colocar como prioridade, numa família, gastar em férias se alguém perdeu o emprego. O turismo organizado, esse que se pode pagar parcelado e que tem hotel-avião, esse talvez se ressinta das consequências econômicas da pandemia. 

O turista deve migrar para alternativas mais baratas, para plataformas de aluguel, mais em conta do que hotel, onde se pode controlar melhor a higiene, preparar a própria comida e viajar em veículo próprio, alugado ou de ônibus. Não se elimina a prática, mas muda-se o padrão de gastos. Pode ser que se tenha como consequência que o brasileiro mais abastado, que não vai poder viajar para fora, alimente nossas estruturas mais caras. Mas o maior volume de fato deve ser num raio de cem a 200 quilômetros da residência das pessoas, com os maiores gastos em alimentação e combustível. Curiosamente, esse não é um turismo metrificado no Brasil, ninguém nunca o mediu.

Durante o isolamento, centenas de museus, monumentos e cidades colocaram à disposição das pessoas passeios virtuais. É uma tendência a se consolidar? Muita gente vai se satisfazer com essas visitas e dispensar o conhecimento in loco?

Muitos se interessam, participam das mostras virtuais e, ao contrário do que se imagina, muitas das que fazem a visita virtual têm relatado o desejo ampliado de conhecer o lugar. É claro, vai depender muito do seu foco e de como se estruturarão para visitá-los. Vivemos a década das redes sociais e dos destinos instagramáveis. Há um grupo muito grande de pessoas que visita atrativos para dizer que visitou, para um certo exibicionismo. Não acredito que isso vá mudar. Possivelmente a gente vá ter mais posts com pessoas de máscara, por exemplo, mas não creio que as visitas virtuais venham a competir com as visitas reais. Ao contrário: posso até apostar que muitos atrativos, depois da crise, vão cobrar um valor simbólico pelas visitas virtuais e conseguir ter uma fonte de renda extra.

Como a pandemia vai impactar o comportamento dos turistas in loco? Vão evitar feiras populares e ambientes fechados?

Não consigo ter certeza. Museus e igrejas vão determinar as aglomerações possíveis ou não. Mas o turista médio não vai se furtar da aglomeração. Acho que pode haver mais responsabilidade do atrativo, mas não do turista. Não é esse confinamento que vai mudar o comportamento coletivo, cultural. A aglomeração típica do brasileiro, das praias, das feirinhas, dos shows, só pelas lives, já se vê que não vai mudar. Talvez o turismo de família, de pais com crianças, talvez isso se demore a ser retomado.

as viagens em excursão tendem a ser menos ou mais buscadas?

Não dá para vaticinar agora, vai de novo depender do público. A excursão, a viagem em grupo, com 30, 40 pessoas, tem um aspecto cultural e divertido que muita gente valoriza. Ela é viável economicamente, interessante culturalmente. Vai demorar mais a voltar, mas não vai desaparecer.

Imagina-se que as autoridades vão exigir medidas sanitárias rigorosas de hotéis, pousadas e meios de hospedagem tradicionais, mas como será com os aluguéis por temporada, já que não se sabe que tipo de cuidados seus donos terão?

Por mais que a gente tente ver o coletivo, essas relações são sempre um a um. Você pode fazer um comunicado amplo para 5 mil pessoas, mas são indivíduos que estão lendo isso. O poder de comunicação de plataformas como Airbnb, Expedia, HomeAway etc. é muito grande e eles têm se articulado, internacionalmente, não só para dar suporte aos seus hosts, mas a compartilhar informações. O segredo vai estar na comunicação e na percepção do consumidor, se aquele é um lugar seguro para estar ou não. É o que vai garantir a sobrevivência de cada negócio.

os brasileiros terão mais medo de sair do país ou os estrangeiros de vir ao Brasil?

Se não houver restrição na mobilidade dos brasileiros para ir ao Exterior, não haverá redução no volume. E não porque eles não vão ter medo, mas porque já terão sido alvo de campanhas mostrando que tipo de riscos que se corre.

De que forma o Brasil pode aproveitar o atual momento?

Não há uma compreensão política, e nem no senso comum, de como o turismo funciona de verdade. Às vezes se põe tudo numa conta só, e talvez agora fique mais clara a separação. Houve uma live do ministro do Turismo em que ele falou que manteria todas as verbas de promoção internacional do país assim que a pandemia fosse administrada. Ele usou o exemplo do México, como se fosse uma variável 1 e 1: o México investe X milhões de dólares e recebe X milhões de turistas, sem considerar que o México está do lado dos EUA e que é um destino barato para os norte-americanos. Ele fala isso descolado da realidade. O Brasil hoje se alinha a países na insanidade de quem chegou a negar a pandemia. 

Já vínhamos com a imagem corroída, especialmente com a questão ambiental, desde a posse do atual presidente, ocupando manchetes internacionais sempre com notas negativas, e o turista internacional que visita o Brasil é mais esclarecido, não é um turista massificado. Os dados pré-pandemia mostram que só de 5% a 6% do nosso turismo é internacional, o restante é turismo doméstico. A imagem do Brasil está corroída e não tem verba de promoção suficiente para descolar isso do que o governo está fazendo com o país. A sensação que tenho é de que, a menos que a gente consiga chegar a algo comparável com o que se chama de normalidade, o nosso turismo receptivo estrangeiro vai ficar muito comprometido.

Há como medir se isso vai levar a um aumento do turismo nacional?

Por enquanto, são só exercícios, não se chega a um número final. Cidades como Gramado e Canela, por exemplo, vão ter de analisar quanto custa fazer promoções, convidar as pessoas. Quem estiver mais perto, consegue enxergar melhor isso. Se você estiver a uma hora e meia, se chegar ao destino e alguma coisa der errado, não custa voltar para casa, o nível de frustração fica reduzido. No Brasil, as viagens vão recomeçar 100% com turismo de cem quilômetros, até setembro e outubro, e só então o turismo regional aéreo irá voltando aos patamares anteriores. 

Até lá, eu descarto o internacional. O aéreo no Brasil só começará a ser retomado em junho. Há de se pensar também na situação socioeconômica das pessoas. Hotéis mais caros de Gramado, provavelmente, vão ter de voltar ao patamar das tarifas de 2015. No Brasil, 2014 foi o nosso melhor ano, de receita e ocupação. E 2020 era o ano em que se ia retomar o patamar de 2014. O ano de 2020 ainda não está perdido, porque janeiro e fevereiro foram espetaculares para o turismo nacional, no mínimo 20% melhores do que 2019. Havia uma previsão de crescimento de 8% em 2020 em relação a 2019, pelos dados oficiais.

Onde devem ser gastos os poucos recursos públicos para o turismo pós-crise no Brasil?

Já deveriam estar sendo gastos ou pelo menos direcionados para uma orientação de sobrevivência: maior comunicação sobre as linhas de crédito e sobre adiamento ou suspensão de impostos, todo empenho na manutenção dos empregos. Vi pouquíssimo disso.

O TURISMO NUNCA FOI UMA POLÍTICA DE ESTADO NO BRASIL E, COM A ATUAL ESTRUTURA DO MINISTÉRIO DO TURISMO, QUE ABARCA TAMBÉM A CULTURA, PODE SER AINDA MAIS DIFÍCIL SAIR DESSA CRISE?

Tenho consumido notícias avidamente e vejo quase nenhuma ação para produtores culturais, atores, músicos. Minha expectativa era de que ao menos houvesse informações sobre como conseguir acesso aos créditos, como manter as empresas ativas e sobrevivendo ao período de crise, seja por isenção, por financiamento de longo prazo. O turismo não tem protagonismo e a cultura, menos ainda, no atual governo. É preciso que os gestores públicos lembrem-se de que o setor é um grande empregador e é fundamental para a qualidade de vida. Sinto que retrocedemos muitos anos. As estratégias que têm saído do Turismo são arcaicas, de uma visão próxima da dos anos 1970. Não consigo esperar absolutamente nada. 

ROSANE TREMEA

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