segunda-feira, 27 de abril de 2020


27 DE ABRIL DE 2020
CLÁUDIA LAITANO

Complô contra a democracia


Complô Contra a América não é um dos melhores livros de Philip Roth (meus favoritos são o romance O Teatro de Sabbath e o relato autobiográfico Patrimônio), mas assim como pizzas, músicas dos Beatles e filmes do Woody Allen, até o mais ou menos é acima da média em se tratando da bibliografia de Philip Roth.

O livro, publicado em 2004, imagina uma história alternativa dos Estados Unidos em que Charles Lindbergh, pioneiro da aviação com um certo xodó pelo fascismo, derrota Franklin Delano Roosevelt nas eleições presidenciais de 1940. Com Lindbergh no poder e pró-fascistas assanhados com a possibilidade de poderem sair do armário com a camiseta da seleção e chapéus engraçadinhos, os Estados Unidos não apenas ficam de fora da II Guerra como se aproximam perigosamente da Alemanha nazista. A história é narrada por um menino judeu, Philip, que vê o cotidiano da família ser tragado por uma atmosfera de medo e perseguição - em uma versão menos trágica (ou seja, sem os campos de concentração) daquilo que estava acontecendo naquele exato momento com garotos que haviam tido o azar de nascer do lado errado do Atlântico.

Roth morreu em 2018 - a tempo de ver Donald Trump vencer as eleições ("Trump é um mentiroso compulsivo, um ignorante, um fanfarrão, um ser abjeto movido por um espírito de vingança e que já está um pouco senil, e ao dizer isso minimizo seus defeitos") e de trocar ideias com os produtores que estavam começando a trabalhar na adaptação do seu livro para a TV. A questão é que a minissérie em seis episódios que a HBO exibiu nas últimas semanas, The Plot Against America, tomaria algumas liberdades com relação ao romance, a começar pelo final, e os produtores foram pedir o aval do autor para mexer um pouco na história. Roth topou na hora. No livro, uma combinação de destino e indignação nacional acabam restabelecendo a democracia nos Estados Unidos. Já a série termina de forma mais ambígua, deixando no ar a possibilidade de uma nova catástrofe antidemocrática no horizonte.

Em 2004, o livro Complô Contra a América fazia os americanos pensarem nas escolhas do passado - e no quão perto o mundo esteve de uma realidade tão distópica quanto qualquer distopia jamais produzida pela ficção. Em 2020, a minissérie leva os espectadores a pensarem no presente e no futuro: até que ponto um presidente pode se mostrar cruel, vil, inepto e antidemocrático antes que o país que o elegeu decida finalmente fazer algo a respeito?

CLÁUDIA LAITANO

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