segunda-feira, 20 de abril de 2020



20 DE ABRIL DE 2020

DAVID COIMBRA

Eles querem conquistar o mundo

Montamos uma câmara de descoronamento aqui em casa. As coisas chegam do súper ou de qualquer telentrega e vão para a câmara, para serem descoronadas com água e sabão ou álcool 70 graus. O problema é o papelão. Parece que o corona, por algum motivo, adora o papelão e fica se repoltreando lá por três dias. Três dias! Bicho resistente. Quando entra uma caixa de papelão nova aqui em casa, fico encarando-a com desconfiança por 72 horas contadas no relógio. Se tenho de passar por perto dela, tomo cuidado de não encostar naquela esfervilhante colmeia de coronas.

Mas será que, mesmo com todos esses cuidados, nos manteremos a salvo do desgranido? Bem. Tenho cá uma norma na vida: sempre penso no pior. Sempre.

Não que fique me torturando com uma expectativa ruim. Não se trata disso. O que faço é o seguinte: diante de qualquer problema, tento imaginar qual é o pior cenário. Parado em frente a esse quadro sombrio, me pergunto: "O que farei, se isso acontecer?" Desta maneira, planejo a minha reação, e parto para a próxima pergunta: "O que farei se acontecer a segunda pior possibilidade?" E assim por diante. Ou seja: se o pior ocorrer, já sei o que fazer e não entro em pânico. Se o pior não ocorrer, também sei o que fazer e fico feliz.

Claro, existe a chance de "o pior" ser tão ruim a ponto de não oferecer saída. Como aquela velha história do técnico Oswaldo Rolla, o "Foguinho", e o goleiro Schneider, num treino do Inter de 1968. Schneider perguntava para o treinador, durante o ensaio de cobranças de falta:

- Seu Rolla, se a bola vier aqui, neste canto. O que eu faço?

- O senhor dá um passo adiante e se coloca nesta posição - instruiu Foguinho.

- E se a bola vier forte, por esse outro lado? - O senhor pula desse jeito - mostrou o técnico.

- E se o cobrador chutar forte e colocado, por cima da barreira, no ângulo, fora do meu alcance?

E o Foguinho, já sem paciência, sentenciou: - Aí o senhor toma o gol, senhor Schneider.

Essa ideia, de tomar o gol, não é agradável. Mas, se for inevitável, não há o que fazer. Melhor é relaxar. Certo. Agora temos um problema, eu, você e o resto da humanidade, inclusive a Charlize Theron.

Para identificar o pior cenário, tenho ouvido esses caras, os infectologistas. É assombroso como existe infectologista no mundo, e cada um tem a sua opinião. O problema é que eles não concordam, as opiniões não são as mesmas. Em quem devo confiar?

Para me prevenir, decidi reunir tudo o que de pior cada um prevê, como se estivesse montando um Frankenstein. E, entre as mais horríveis características do monstro, há duas que são em especial assustadoras:¶

1. Se o vírus tiver a capacidade infinita de reinfectar seres humanos.¶

2. Se a vacina não ficar pronta antes de cinco anos (sim, há infectologistas que dizem que pode levar cinco anos).

Levando em consideração essas duas horrendas possibilidades, o passo seguinte é resolver como reagir. Muito bem. Como reagir?

Não há como reagir. Aí nós tomamos o gol. Pensando nisso, senti a suave descompressão produzida pela conformação. Caminhei até a câmara de descoronamento. Chutei aquela caixa de papelão com a força do cobrador de falta do Schneider.

- Malditos coronas! - gritei. - Podem pegar o mundo pra vocês!

DAVID COIMBRA

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