07 DE JANEIRO DE 2020
CARPINEJAR
Viajantes desde o berço do carro
Meus filhos só dormiam no carro. Até hoje adultos, quando vêm de carona comigo, eles cochilam lembrando de quando eram pequenos. Apagam no meio de uma conversa, de uma música, de um noticiário. Quase como um passe de mágica. Estou falando algo e me dou conta de que venho falando sozinho há alguns minutos. As respostas já estão dentro dos sonhos de Vicente e Mariana.
Na infância deles, o carrinho, o colo, a caminha e as cantigas não os faziam relaxar. Entregavam as pálpebras para o escuro ao passear pelo bairro nas quatro rodas.
Muitas vezes tive que seguir viagem de madrugada para aliviar cólicas e choros insistentes. Condicionado a sair de pijama mesmo, sem tempo de trocar de roupa, para dar voltas no quarteirão. Mal acomodava os pequenos na cadeirinha, eles já mudavam a respiração. Ficava branda, amistosa, feliz.
A garagem foi o berçário deles. O automóvel foi o Rivotril da delicadeza deles. O limpador de para-brisa foi o móbile dos olhos deles.
Embalavam-se com a sinuosidade das ruas, os paralelepípedos, a mudança de marcha. Existia um efeito hipnótico inexplicável, comparável apenas ao barulho da máquina de lavar. Nem precisava demorar mais de 15 minutos - enfrentava mais trabalho para abrir e fechar o portão manual.
Íamos em nossa missão calmante, e eles se adoçavam maravilhosamente com o motor.
Eu jamais antevia o que fazer no momento em que dormiam. Se subia logo com eles nos meus ombros ou permanecia um pouco mais no veículo para não despertá-los, correndo o risco de perder, num sobressalto, o que havia conquistado.
Minha paternidade sempre contou com esses minutos longos de indecisão e vigília.
Eu não reclamava dos passeios forçados, sentia-me um herói anônimo do silêncio, um trabalhador da madrugada, cumprindo a destemida façanha de assegurar paz para a família.
O que não intuía é que meus filhos, desde o início, desde o berço do carro, mostravam-se viajantes. Que já se portavam como desbravadores, aventureiros contumazes, que nunca parariam em casa.
Se eu soubesse antes, não teria abandonado a eficiente cadeira de balanço de minha mãe.
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