segunda-feira, 6 de janeiro de 2020



06 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA

As velhas formas do viver

Não faz muito, Chico Buarque ganhou um importante prêmio literário internacional, o Camões. Foi um galardão, ao mesmo tempo, justo e injusto. Injusto porque os romances de Chico Buarque não têm força suficiente para merecer grande distinção. Falta-lhes "punch". Não chegam a ser ruins, mas não divertem, nem estimulam a reflexão. Chico foi premiado por ser Chico. Se eu ou você, leitor, tivéssemos assinado a obra, ela só provocaria bocejos.

Mas é exatamente aí que reside a justiça da premiação. Porque, de forma indireta, ela exalta a música do Chico. Ele se tornou tão grande por causa de suas antigas composições, que os julgadores do prêmio literário se sentiram meio que na obrigação de alçá-lo ao primeiro lugar. Foi o que aconteceu com Bob Dylan: a Academia Sueca concedeu-lhe o Prêmio Nobel de Literatura. Uma distorção óbvia. As letras das músicas de Dylan são poéticas, mas poucas podem ser consideradas poesia. Há dezenas de escritores, inclusive nos Estados Unidos, que deveriam ganhar o Nobel antes dele.

Bob Dylan e Chico Buarque, portanto, foram exaltados mais por sua música do que por sua literatura. O que mostra o tamanho de Dylan e da Música Popular Brasileira. Porque a música é, de longe, o nosso maior canal de expressão artística. Há brasileiros bons em todas as áreas da cultura, mas em nenhuma brilham tantos como na música. Tom, Vinicius, João Gilberto e Caetano Veloso são conhecidos e admirados no mundo inteiro. Nossos músicos e compositores são tão respeitados quanto nossos jogadores de futebol. Somos capazes de produzir craques como Belchior, Paulinho da Viola, João Bosco, Roberto Carlos e Tim Maia, entre muitos.

Há apenas um senão: toda essa gente que citei experimentou seu auge em priscas eras. São septuagenários, como Chico e Caetano, ou já viraram estrelinhas, como Vinicius e Tom. Talvez eu que seja ignorante a respeito dos novos talentos, mas tudo que vejo vicejar agora me desanima. Sábado passado foi assim. Nós tínhamos voltado do The Abbey, um bar de Beatles que fica na parte alta da cidade, e a Marcinha botou a TV no programa do Serginho Groisman. Lá estava um dos grandes, Gilberto Gil, com toda a sua família. Parei para ver. Gosto do Gil. Mas ele, como os que relacionei acima, está em idade provecta. Continua sendo uma figura doce, cheia de luz, mas sua voz melodiosa se evaporou e ele já não tem a mesma energia, nem poderia ter. Em todo caso, gostei de vê-lo.

Aí surgiu a filha de Fábio Junior e Gloria Pires, a Cleo Pires. O Serginho anunciou que ela cantaria uma música de sua própria lavra. Fiquei curioso. Ela pisou no palco à frente de um grupo de dançarinas. Começou a cantar, acompanhada de uma funkeira. As duas cantaram e dançaram e as dançarinas dançaram também. E foi tão ruim? Senti algo estranho, um torpor, fiquei prostrado no fundo do sofá, sem reação, abatido, porque concluí: o problema sou eu. Estou velho. Não compreendo as novas linguagens. Como diria o velho Gil, o tempo rei agiu, e eu fiquei lá atrás, agarrado aos meus discos de vinil, aos meus jornais de papel, às velhas formas do viver.

DAVID COIMBRA

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