03 DE JANEIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
New York, New York
Sabe quanto os restaurantes de Nova York queriam cobrar por um jantar de Réveillon? Duzentos e cinquenta dólares POR PESSOA! Ou seja: teria de desembolsar 750 dólares para eu, a Marcinha e o Bernardo jantarmos no dia 31 de dezembro. Mais de três mil reais!
O Ivan Pinheiro Machado vive repetindo uma frase do Millôr a respeito de refeições caras:
- Ninguém quebra com um jantar.
Já ouvi o Ivan proclamar essa sentença várias vezes, depois de uma sobremesa e antes de sacar o cartão de crédito. Concordo com ele. Mas tudo tem limite. Aqui, ó, que eu ia deixar 750 dólares num único jantar! Assim, propus que fôssemos a uma cantina do Little Italy. Essa é uma regra de ouro a seguir em viagens internacionais: se você tiver dúvidas gastronômicas, procure um restaurante italiano. Comida italiana sempre é boa e, em geral, não muito cara.
Então, lá estávamos nós, numa cantina da Mulberry Street, vendo as últimas horas de 2019 escorrerem por entre fios de espaguete com molho vermelho, quando pensei: tenho que melhorar essa comemoração. Tracei um plano. Ao sairmos, ainda faltava hora e meia para a virada. Não chamei o Uber. Aproveitamos que fazia uma temperatura amena para o inverno em Nova York, coisa de 4°C, e seguimos caminhando até o SoHo, em direção a um pequeno restaurante que conheço e sobre o qual já escrevi, o Piccola Cucina. É um lugar animado, tocado e frequentado por jovens italianos, tem música boa e é mezzo bar, mezzo restaurante. Tínhamos tentado reservar lá, mas estava lotado. Agora, porém, avancei confiante no meu poder de persuasão.
Marchamos, pois, até a ponta da Prince Street e, ao chegarmos, constatei, com alegria, que ninguém mais jantava. As luzes do restaurante piscavam como as de uma boate, os garçons levavam nas cabeças chapéus brilhantes, alguns clientes dançavam e outros bebiam em suas mesas. Não precisei de muita conversa para convencer o gerente. Ele nos deixou entrar e nos conduziu a uma mesa no centro da ação. Ação mesmo: havia ali um punhado de garotas italianas. Elas dançavam e cantavam e às vezes rebolavam até o chão. É estimulante entrar em um local em que garotas italianas dançam e cantam e às vezes rebolam até o chão.
Logo, nós nos deixamos contagiar por aquela empolgação latina. Também passamos a dançar e cantar, apesar de não rebolarmos até o chão.
Havia uma TV pendurada no teto, transmitindo a tradicional cerimônia da bola gigante que desce de um arranha-céu da Times Square, anunciando o Ano Novo. Um minuto antes da meia-noite, o gerente do bar encheu taças de champanhe e começou a distribuí-las. Empunhamos as nossas taças e ficamos aguardando a contagem regressiva, olhando para a TV. Faltando 10 segundos, contamos em coro, misturando italiano, português e inglês:
- DEZ! NOVE! OITO?
No zero, explodimos em abraços, como se fôssemos amigos de infância. E, em seguida, sem termos combinado, começamos a cantar New York, New York, a canção imortalizada por Frank Sinatra. Ali estávamos entre italianos e brasileiros, talvez houvesse algum americano entre nós, não sei, mas o certo é que a imensa maioria era de estrangeiros, e nós cantávamos uma música em homenagem àquela grande cidade que não era nossa, e, ao mesmo tempo, era.
Em meio à festa e aos abraços tantos, percebi que aquele hino que entoávamos não era só de reconhecimento às maravilhas de Nova York, era por algo maior que a cidade representa: por sua capacidade de aceitar todos os seres humanos, sejam de onde forem, como iguais. É esse o espírito da cidade, e é esse o espírito que se espera de uma data simbólica, como a virada do ano, uma data de renovação, de paz e de tolerância. Foi bonito aquilo. Foi surpreendente e emocionante.
Depois de cantarmos, o gerente deu a cada um de nós um pratinho de lentilhas.
- Pra termos bastante dinheiro em 2020! - ele explicou.
O que é também uma boa ideia. Mas, ainda que eu disponha de muito mais dinheiro no próximo dezembro, não vou pagar 250 dólares na festa da virada para 2021.
DAVID COIMBRA
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