segunda-feira, 25 de março de 2019



25 DE MARÇO DE 2019
+ ECONOMIA - CLAUDIO GALEAZZI 
Especialista em reestruturação de empresas

NÃO SOU UM SÁDICO QUE GOSTA DE CORTAR

Conhecido como Galeazzi Mãos de Tesoura, Claudio Galeazzi acumula podas em vagas de trabalho. Especializado em restruturar empresas em crise, aos 68 anos lançou Sem Cortes, um livro sobre esses processos. Entre as revelações da obra, uma sobre o autor: ele foi um beatnik (espécie de antecessores dos hippies, nos 1950 e 1960, que queriam viver livres e sem amarras).

Você foi uma espécie de beatnik?

Fui beatnik, mas nunca aderi de corpo e alma e nem nas fumaças (risos). Gostava de frequentar festas, andava de carona. Quando vivi nos Estados Unidos, fiz mais isso do que estudar. Não tenho graduação concluída, mas frequentei muitos cursos. Me considero autodidata, obviamente tive de me esforçar muito mais do que se tivesse preparo acadêmico. Tive de ler, estudar e me dedicar para compensar.

Como convive com o fato de ser chamado de "mãos de tesoura"?

É tranquilo, você não escolhe apelidos, são dados. Obviamente, está relacionado, em parte, com o que se faz. É mais atraente falar de redundâncias do que de empregos ou empresas salvas.

Tem um balanço de quantos empregos salvou e cortou no total?

Prefiro falar em redundâncias, não gosto de ?cortes?. Foram milhares de pessoas que perderam seus empregos, para dezenas de milhares de vagas salvas. Muitas empresas seguem sua vida, crescendo e recolhendo impostos.

Teve algum caso mais difícil?

Todos, sem exceção, tiveram certo sentimento de tristeza. Não sou um sádico que gosta de cortar. Todo e qualquer emprego que fui obrigado a cortar, sempre sofri junto. Procurei ser o mais íntegro, ou seja, observar todos os direitos. Sempre obriguei as empresas a atender a esse ponto e, em muitos casos, melhorar o pacote de demissão. Durante algum tempo, em certos casos até por um ano, foram concedidas cesta básica, manutenção do seguro saúde. Às vezes, também mais salários do que os esperados. Nunca sofri greve nas empresas em que, infelizmente, demiti muita gente.

Os cortes são só em empregos?

O corte nada mais é do que um dos elementos de uma reestruturação. Fiz cortes de despesas, bônus, privilégios, carros, viagens. São muito abrangentes, mas não o principal fator que salva a empresa. Inclusive, talvez seja um dos menores, porque tem de rever processos, comercial, compras, financeiro.

Essas situações são resultado de certo excesso de otimismo?

Os donos de empresas baseiam sua atividade atual no sucesso do passado. Como tiveram crescimento relevante, entusiasmam-se e passam a tentar vender cada vez mais, sem considerar o que o mercado precisa. Não conseguem equacionar a empresa, a si mesmos e ao mercado. As expectativas, na maioria das vezes, não são fundamentadas. Variação provável do dólar, aval do mercado e da demanda são fatores pouco levados em conta. Chega ao ponto em que se torna insustentável. Outro fator é a negação: o empresário custa a reconhecer a crise na qual se meteu, fica inerte e espera que algo aconteça no mercado, ou na sua empresa, que reverta a situação de declínio.

A recessão mudou algo?

A economia entra em declínio, e gestores de empresas custam a reconhecer que eles também estão no processo. O maior problema é em reconhecer a crise e o fato de precisar, muitas vezes, implementar ações que chamo de draconianas para preservar a empresa. Algumas passam pela crise com pequenos arranhões. Outras, do mesmo segmento, entram em dificuldade.

Funções como a sua sempre serão necessárias ou a crise ensinou?

O ser humano tem a tendência de repetir as mesmas coisas sempre. Pode mudar um pouco o cenário, a circunstância, mas sempre repete. Declínios de empresas seguirão acontecendo. Obviamente em uma empresa que vivenciou essa crise, se repetir seria burrice. O que vem atrás não necessariamente passou por essas situações, não teve o aprendizado que tive quando quebrei.

É origem de seu aprendizado?

Tive uma empresa (Armaq, de locação de equipamentos industriais, criada no final da década de 1970) que cresceu muito rápido. Quebrei. Quando estava no processo de quebrar, passei pela negação. Pior do que isso, é você não adotar ações. Mesmo que deem errado, está focado em reverter a situação. Precisa ter agilidade para corrigir. Não fazer nada é pior do que errar nas ações.


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