sexta-feira, 15 de março de 2019



15 DE MARÇO DE 2019
DAVID COIMBRA

A fábrica de monstros

Tentei escrever o mínimo possível sobre o caso do menino Bernardo. Dá-me asco. Pior: o meu filho se chama Bernardo. Quando o crime foi cometido, ele tinha seis anos de idade. As TVs e as rádios a todo momento falavam em menino Bernardo, menino Bernardo. É claro que meu filho foi investigar o que estava acontecendo. E é claro que ficou surpreso. Então, essas coisas podiam acontecer com meninos?

Foi um choque para ele. Porque os meninos, o que tem de haver no mundo dos meninos? Tem de haver triciclos amarelos e bolas brancas de futebol, tem de haver filmes da turma da Mônica e desenhos da Galinha Pintadinha. No mundo dos meninos, come-se torta de banana no café da tarde e cachorro-quente nos aniversários dos amigos. Há regras no mundo dos meninos: há hora para comer e para dormir, há hora para ir à escola, para escovar os dentes e até para fazer cocô. No mundo dos meninos, sobretudo, os pais estão atentos e presentes.

Pais atentos e presentes. O menino Bernardo não teve isso, nem aqueles rapazes que se transformaram em monstros assassinos em Suzano. Ou seja: a falta de pais atentos e presentes pode fazer com que meninos morram ou matem.

Curiosamente, os assassinos de Suzano e o menino Bernardo eram brancos e de classe média. Pode significar que a pobreza talvez não seja o maior mal do Brasil. Pode significar que o maior mal do Brasil seja, exatamente, a falta de pais atentos e presentes.

É claro que meninos pobres e negros também são afetados por esse mal. Nas vilas, nas favelas, nas periferias de todo o país, você encontrará famílias desintegradas e crianças que passam o dia inteiro vagando a esmo pelas ruas, enquanto suas mães trabalham em troca de mil reais por mês e os pais estão bêbados ou drogados. É dessa fonte que jorra o manancial humano que abastecerá o tráfico de drogas e o crime organizado.

Você lembra do caso do Ônibus 174, no Rio? Num dia de junho do ano 2000, um ônibus da linha Central-Gávea foi sequestrado por um assaltante chamado Sandro do Nascimento. Durante cinco horas, os passageiros ficaram sob a mira do revólver de Sandro. O Brasil inteiro assistia ao que se passava no ônibus pelas TVs, que transmitiram a ação ao vivo. De repente, Sandro gravateou uma refém e postou-se diante da janela aberta e das câmeras. O que se viu foi assustador: ele usava uma espécie de capuz, tinha uma falha nos dentes frontais e um olhar de fúria. Sandro dava medo. Sandro parecia um monstro.

Naquele mesmo dia, descobriu-se que ele era um dos sobreviventes da chacina da Candelária, ocorrida sete anos antes, quando milicianos assassinaram a tiros oito meninos que dormiam em frente a uma igreja, no Rio.

Sandro, portanto, havia sido um menino que não teve pais atentos e presentes. Foi isso que fez dele o que ele se tornou. Foi essa negligência. E, por isso, pais que não são atentos e presentes são mais do que negligentes: eles são os verdadeiros monstros. São esses os culpados. São esses os assassinos. É esse o mal que o Brasil tem de curar. O Brasil tem de compreender que meninos não são feitos para armas, para brigas, nem para vagabundear pelas ruas das cidades. Meninos são feitos para os triciclos amarelos, para as bolas brancas de futebol, para as tortas de banana e para o amor. Meninos só se tornam bons cidadãos se lhes derem amor.

DAVID COIMBRA

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