09 DE MARÇO DE 2019
MÁRIO CORSO
Bons modos à fala
Dois generais caminham em sentidos opostos. Quando se encontram numa pinguela, surge o impasse: quem vai ceder a passagem? Os dois foram contemporâneos, têm a mesma idade, o mesmo número de estrelas. Quem cedeu?
Simples, o mais educado. Aquele que não está tomado na dinâmica de afirmação pessoal, portanto não necessita de episódios como este para saber de seu tamanho. A boa educação é mais que um conjunto de regras e geralmente envolve situações assim. Sabe esse pessoal que trata mal garçom, porteiro, agente de trânsito? Eles necessitam da assimetria social para fundar seu lugar. Ou seja, o desrespeito, arrogância e a prepotência são o palco de seu exercício de poder para ser alguém.
O politicamente correto é um movimento amplo, complexo e contraditório, mas a maior parte das críticas a ele endereçadas são por exigir respeito à diferença, em outras palavras, boa educação. A globalização dissolveu os consensos, a pluralidade é tal, que não há, como sempre houve, uma classe dominante, ou uma elite intelectual, a determinar os bons costumes. Como, então, orientar-se na nova Babel? O politicamente correto surgiu como instrumento imperfeito para minimizar os atritos. O desafio do nosso século é encontrar fórmulas de convívio para tantas e tão diversas tribos, isso exige ajustes. Até lá, teremos omissões e exageros. É certo que demanda trabalho e é cansativo, às vezes soa artificial, forçação linguística. Mas vocês me propõem o que em troca? O bom senso de quem?
A grosseria tem sido uma das saídas. Mandar tudo às favas e dizer o que vier à cabeça. E isso tem uma vantagem: soa verdadeiro. Por que motivo? Os psicanalistas sempre insistiram que por dentro não valemos nada. Somos um caldo agressivo e sexual que parcamente se civilizou. Deixados à própria sorte, sem as barreiras sociais, um Calígula está pronto a mostrar os dentes. O fascínio que a grosseria oferece provém disso. Ela revela algo que todos recalcamos, portanto parece autêntico quando vaza. Essa "verdade" não diz da realidade, mas do recalque, revela o preço que é viver em sociedade e a cobrança em dobro que é exigida em sociedades plurais.
Falar sem barreiras está na moda e ganha adeptos por causa do suposto valor da espontaneidade, que uns ousariam em nome dos calados coniventes. Como se a pessoa dissesse: isso me representa, também penso assim, mas sou impedido de expressar-me.
De fato, há uma repressão. Mas boa parte dos vetos é um pedido para que o sujeito guarde para si seus preconceitos, sua agressividade e seu provincianismo. É um constrangimento a não usar os ouvidos alheios como latrina e passar atestado de incapacidade de viver no século 21. Seu avô abriu mão do racismo ostensivo, seu pai do machismo exibicionista, faça sua parte.
MÁRIO CORSO
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